Leonardo Sakamoto: Trate seu jornalista com mais carinho. Ele merece!

Leonardo Sakamoto em seu blog

Recebi um telefonema no meio da tarde de um amigo-jornalista que queria desabafar. O chefe havia pedido para o rapaz tirar a declaração de uma fonte que não “combinava” com o restante da matéria. Bem, para bom entendedor… Quando atendi, desandou a reclamar da vida, xingou Deus e o mundo, disse que um dia largava tudo e abria um bar até que, mais tranquilo, voltou ao texto para matar a fonte que não cabia. Avisei que aquilo ia virar post, mas não se importou. Considerou como meu pagamento pela terapia.

Isso me lembrou de que já tinha feito um “Amar é…” sobre esses pequenos calvários do profissional de imprensa. Então, atualizo, reúno tudo e trago abaixo. Cada uma das linhas brotou de uma história que ocorreu em alguma redação espalhada pelo País, da progressista à conservadora, da grande à pequena. Nomes? Ah, pra quê? Já perguntava Shakespeare: “O que há num simples nome? O que chamamos rosa com outro nome não teria igual perfume?”

Não, não aconteceu nada comigo e não estou fazendo isso em resposta à nada. Trabalhando na internet, nunca tive problema com nenhum veículo, pelo contrário: não sei como me aguentam. Ocorreu-me apenas de lembrar aos colegas da imprensa que ninguém está sozinho.

É preciso aprender a conviver com limites, reconhecer as imperfeições e consertar o que não está bom. Como também é fundamental ir, sempre, atrás da velha e boa coerência – que teima em fugir de nós, do berço à sepultura – sobre isso, sugiro o provocador debate trazido pelo jornalista Janio de Freitas na segunda-feira, dia 6, no Roda Viva, da TV Cultura. Ela trouxe muitas coisas para pensar e discutir. Apontar os problemas dos outros sim, mas reconhecer em nós as mesmas falhas é importante.

Afinal, se alguma dessas situações já aconteceu com você, primeiro relaxe, depois vá à luta. E seja bem-vindo à condição do jornalismo, a melhor profissão do mundo, como bem disse Gabriel García Márquez.

Jornalismo legal é:

● Não ligar para redação xingando jornalista por matéria sobre o chabu no Metrô.

● Não demitir por telefone o pobre repórter que discordou educadamente da linha editorial do veículo.

● Não usar nunca a frase “coloca isso na capa porque quem manda aqui sou eu”.

● Ter a certeza de que a denúncia contra aquele anunciante vai sair mesmo.

● Saber que a apuração virá da reportagem e não da sala da chefia.

● Não ser demitido porque o usineiro amigo do dono do jornal se sentiu ofendido com a verdade.

● Não sofrer preconceito dos colegas da imprensa por trabalhar em um veículo de esquerda ou de direita.

● Ter reunião de pauta em que participe mais gente do que apenas o diretor de Redação, sua mãe e seu poodle.

● Não ser delicadamente removido para setorista de rodoviária porque reclamou de censura prévia.

● Não ver seu texto com conteúdo tão alterado a ponto de ter de pedir para tirar seu nome dele.

● Não se sentir oprimido ou com pavor de dar uma opinião contrária na reunião de pauta.

● Não te entregarem o título pronto da matéria antes de você sair para a apuração (a não ser que o seja sobre o “bebê diabo”. Aí, sim, pode.).

● Não ser proibido um homem usar brinco ou uma mulher ter tatuagem na redação.

● Não ter de criar conta falsa de e-mail para dizer ao chefe o que pensa daquela matéria bisonha.

● Não ter de fazer hora extra só para salvar o péssimo texto do amigo do chefe que deve entrar amanhã.

● Não ser monitorado no Twitter pela empresa jornalística em que trabalha.

● Ficar no fechamento até tarde sem medo de que o editor tente levar você para cama. Uma variação é: não ter medo de almoçar com o chefe sem que ele tente te mostrar coisas que você não quer ver.

● Não perder uma promoção por conta de posicionamento ideológico.

● Ao trabalhar em tevê e agência públicas, não ter de prestar serviço de assessoria a político. Ou não ter de alterar o conteúdo da matéria porque o assessor de imprensa do ministério fritou com a denúncia.

● Fazer uma entrevista sem ter medo de o editor mudar as ideias da fonte depois.

● Não ser obrigado a defender igreja caça-níquel e a chamar umbanda de coisa do capeta para não perder o emprego.

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