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Julian Assange: Panorama de uma farsa jurídica

15 de setembro de 2020

O pesadelo Kafkiano do julgamento de Assange. Arte gráfica: Prisão de Belmarsh adaptada de Escadas, de Escher.

Edward Snowden: O julgamento show de Assange mais parece algo de Kafka. A juíza permite que as acusações sejam trocadas com tal frequência, que a própria defesa não sabe quais elas são. As demandas básicas são negadas e ninguém pode escutar o que o réu diz – uma farsa.

Craig Murray, via Blog Chacoalhando em 14/9/2020, tradução de Ruben Rosenthal

O artigo foi elaborado a partir de diversos textos publicados por Craig Murray, ex-embaixador do Reino Unido e ativista de direitos humanos. Murray é uma das cinco pessoas que vêm assistindo ao julgamento da galeria reservada ao público, e relata em detalhes as sessões do tribunal, acrescendo seus comentários pertinentes e de um humor irônico, por vezes mordazes.

O editor do WikiLeaks Julian Assange se encontra encarcerado na prisão de segurança máxima Belmarsh, em Londres, enquanto enfrenta o julgamento que poderá extraditá-lo para os Estados Unidos, e lá ser submetido a um processo que pode levar à condenação por até 175 anos. Prevalecia até julho o indiciamento de Assange em 18 pontos, por obter, possuir, conspirar para obter, e por publicar informação classificada. Pela primeira vez, a Lei de Espionagem seria aplicada a um editor de veículo informativo.

O julgamento foi iniciado em fevereiro deste ano na Corte de Belmarsh, e interrompido após cinco audiências. Pela defesa atuam Mark Summers e Edward Fitzgerald. A Acusação é liderada por James Lewis, que representa o governo dos Estados Unidos. A juíza Vanessa Baraitzer está à frente do julgamento, agora realizado na Corte de Old Bailey, também em Londres.

O advogado de defesa Mark Summers, em um dado momento desta segunda fase iniciada em 7 de setembro, relembrou à Corte o histórico do processo de extradição. A primeira acusação havia sido elaborada em março de 2018. Em janeiro de 2019 foi introduzido um pedido provisório de extradição, que levou à remoção de Assange da Embaixada do Equador em Londres em abril de 2019, com a aquiescência do novo governo equatoriano.

Em junho de 2019 ocorreu a substituição das acusações iniciais por um segundo indiciamento. As cinco audiências em fevereiro de 2020 ocorreram com base nesta segunda acusação (ver artigos já publicados). Até o final de maio não havia ocorrido qualquer aviso de que um indiciamento substitutivo seria introduzido pelo Procurador Geral dos Estados Unidos, William Barr. A íntegra do documento substitutivo pode ser acessada aqui.

A Defesa só tomou conhecimento da acusação substitutiva através de um comunicado do governo dos Estados Unidos à imprensa, em 20 de junho de 2020. No entanto, as novas acusações só foram oficialmente incorporadas ao processo de extradição em 29 de julho. Claramente isto não deu tempo à Defesa de se preparar e trazer novas testemunhas para lidar com a nova situação. As novas acusações se sustentariam, mesmo no caso de rejeição das acusações iniciais, segundo alegou Summers pela Defesa.

A segunda fase do julgamento. Nesta fase, as testemunhas de defesa (1) podem depor por apenas 30 minutos, segundo decisão da juíza Baraitzer, o que Craig Murray classificou como “guilhotina do tempo”. Vários depoimentos foram feitos por vídeo conferência. A tática principal de Lewis nesta segunda fase tem sido usar de agressividade e rudeza, para desconcertar as testemunhas. Lewis questionou a honestidade intelectual, justeza, independência e as qualificações das testemunhas. Murray chegou a comparar o comportamento do promotor ao de um “louco perturbado”.

Outra tática recorrente de Lewis é se referir às declarações juramentadas do Procurador Adjunto dos Estados Unidos, Gordon Kromberg, de que o processo não tinha motivação política e que as acusações contra Assange se limitavam a conspirar para obter material ilegal e publicar nomes de informantes afegãos que constavam nos telegramas diplomáticos raqueados por Chelsea Manning. No entanto, tal afirmação está em contradição com o próprio indiciamento substitutivo, segundo a Defesa e algumas testemunhas declararam na Corte.

Lewis vem desafiando as testemunhas a chamar Kromberg de mentiroso ou que estava agindo de ma fé. O provável plano de Lewis, conforme a avalia Craig Murray, seria alegar posteriormente que as testemunhas aceitaram que o Procurador Adjunto agira de boa-fé, e portanto o julgamento havia sido justo.

Na audiência do dia 9, o professor Paul Rogers respondeu à pergunta se Kromberg agira de má fé: “não, mas ele estava agindo sob uma orientação política”. Segundo Murray afirma, ele próprio não hesitaria de chamar Kromberg de mentiroso. Kromberg tem um histórico de declarações islamofóbicas.

Quando Lewis questionou Trevor Timm por que ele omitira em seu depoimento, que Kromberg asseverara que um promotor federal não pode levar em consideração questões políticas, a testemunha replicou que isto não refletia a realidade. Lewis veio então com a pergunta padrão, se Timm estava dizendo que Kromberg e seus colegas agiram de má-fé. A resposta foi que um artigo no Washinton Post revelara que muitos procuradores federais seniores se opunham ao processo de Assange, com base na Primeira Emenda.

Durante o julgamento, testemunhas de defesa colocaram que, graças à divulgação de vazamentos pelo WikiLeaks, foram expostas diversas ações criminosas e ilegais da parte dos Estados Unidos: o uso de drones no Paquistão para assassinatos seletivos; a tentativa diplomática dos Estados Unidos de bloquear investigação internacional sobre casos de tortura e extradição forçada; a detenção e tortura de inocentes na prisão de Guantánamo; e confissões obtidas sob tortura.

As audiências foram suspensas no dia 10, com a suspeita de um caso de Covid-19 na equipe da Acusação. O acompanhamento do julgamento pode ser feito através dos relatos no blogue de Craig Murray, uma das únicas cinco pessoas que tem conseguido acesso à galeria do público, e do Defend Wikileaks.

Notas do tradutor
(1) Testemunharam na segunda fase do julgamento, até o dia 9 de setembro:

Clive Stafford Smith, advogado de dupla nacionalidade (britânica e norte-americana), fundador da ONG Reprieve em 1999, que atua contra a pena de morte, tortura, detenção ilícita e extradição forçada em casos relacionados com a “guerra ao terror”. Seu depoimento completo pode ser acessado aqui.

Mark Feldstein, professor de jornalismo na Universidade de Maryland, EUA, na cadeira de mídias de transmissão, com 20 anos em jornalismo investigativo. Seu depoimento completo pode ser acessado aqui.

Paul Rogers, professor Emérito em Estudos da Paz, da Universidade de Bradford, Reino Unido. Autor de nove livros sobre a “guerra ao terror”, e por quinze anos tem sido o responsável pelos contratos do Ministério da Defesa, de treinamento das forças armadas na legislação e ética dos conflitos. Seu depoimento completo pode ser acessado aqui.

Trevor Timm, cofundador da Associação de Liberdade de Imprensa, São Francisco. Seu depoimento completo pode ser acessado aqui.

Ruben Rosenthal é professor aposentado da Universidade Estadual do Norte Fluminense, e responsável pelo blogue Chacoalhando.

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SE ASSANGE FOR CONDENADO, “É O FIM DA DEMOCRACIA COMO A CONHECEMOS”.
“Qualquer um que se importa com a democracia deveria estar se reunindo para apoiar Julian Assange”. No dia do julgamento da extradição do fundador do WikiLeaks para os EUA, conversamos com o diretor do documentário “Guerra ao Jornalismo”.
Ethel Rudnitzki, via Agência Pública em 7/9/2020

Começa hoje [7/9] no Reino Unido o julgamento do processo de extradição contra Julian Assange, fundador do WikiLeaks. Preso desde abril de 2019 e perseguido há dez anos, o jornalista e publisher é acusado pelo governo norte-americano de espionagem por ter vazado informações confidenciais. Dentre os documentos publicados por Assange estão provas de tortura e maus tratos na prisão de Guantánamo, vídeos de execuções durante a Guerra do Iraque, conhecidos como “Collateral Murder Vídeos”, entre outras documentações de abuso de direitos humanos e crimes de guerra cometidos pelos EUA.

Assange teve prisão decretada na Suécia por acusações de assédio sexual, já deixadas de lado pela Justiça. Recebeu asilo político do Equador e passou 7 anos na embaixada em Londres, de onde não podia sair sob o risco de ser preso e extraditado para os EUA. Teve seu asilo retirado no ano passado, em um processo polêmico envolvendo negociações do governo equatoriano com o governo norte-americano, e então foi posto em uma penitenciária de segurança máxima pela polícia britânica, onde aguarda o julgamento do pedido de extradição.

Dentre 18 acusações do governo dos EUA contra o australiano, 17 se referem à publicação de documentos secretos pelo WikiLeaks; uma se refere a uma tentativa de ajudar Chelsea Manning a obter uma senha – ação que não foi completada segundo a própria acusação. Os advogados de Assange dizem que se trata de perseguição política.

Jornalistas, organizações de direitos humanos e o próprio Relator Especial sobre tortura da ONU apontam que durante esses anos, Assange foi vítima de tortura psicológica. A organização Repórteres Sem Fronteiras chama Assange de “herói da informação”.

Para Juan Passarelli, amigo de Assange e autor de documentário “Guerra ao Jornalismo: o caso Julian Assange”, que estreou no último dia 28 no Youtube, o fundador do WikiLeaks “é um preso político” e sua condenação pode significar “o fim da democracia como a conhecemos.”

Em entrevista à Pública ele compartilhou suas expectativas sobre o julgamento que começa hoje. “Esse é um caso que não será vencido na corte. Ele precisa vencer na esfera política”. Leia a entrevista na íntegra:

O que dizem as acusações contra Julian Assange?
É a primeira vez na história dos Estados Unidos que um jornalista está sendo processado por espionagem, por receber, trabalhar e publicar o que os EUA consideram informações confidenciais. Eles usaram a lei de espionagem no passado para casos relacionados a delatores, mas não para jornalistas.
Julian enfrenta 17 acusações de espionagem e uma menor de fraude de computador devido às publicações de 2010: os vídeos de assassinato durante a guerra do Iraque, os documentos de crimes de guerra durante a guerra do Afeganistão, as denúncias de prisioneiros em Guantánamo, e o vazamento de telegramas diplomáticos entre os EUA e outras embaixadas.
Então, o que os Estados Unidos estão dizendo basicamente que um jornalista que recebeu informações confidenciais – que é o termo que eles usam – sobre crimes de guerra, ele é um espião. É simples assim.

Há alguma relação entre essas acusações e a acusação de estupro na Suécia, que foi o que levou à prisão de Assange em primeiro lugar?
As instituições de justiça estão contra Julian Assange há mais de 10 anos. As publicações sobre as quais ele está sendo processado não têm nenhuma relação com qualquer outro processo judicial na vida dele.
É apenas sobre 5 publicações que expõem crimes de guerra, tortura. Coisas tão grotescas quanto uma garota de 6 anos sendo torturada com uma furadeira. Ou forças armadas entrando na casa de um fazendeiro, com toda a sua família incluindo seis ou sete crianças e matando todos. Os soldados os mataram como nazistas e ainda chamaram um avião militar para bombardear a casa e destruir as provas.

Nesse contexto, como você vê o processo de extradição contra Assange?
A primeira coisa que temos que entender é que Julian Assange não cometeu nenhum crime no Reino Unido. Os Estado Unidos estão ultrapassando e impondo suas leis em outros países. Isso quer dizer que a democracia de outro país está sendo invadida pelos Estados Unidos. Isso deveria ser muito preocupante para os ingleses.
Ele não é acusado no Reino Unido e ainda assim está preso em um regime de segurança máxima, onde prendem assassinos e pedófilos, enquanto ele é um intelectual. Ele não deveria estar preso. Deveria poder responder ao processo de extradição em liberdade.
O tratado entre os EUA e o Reino Unido não permite a extradição de acusados políticos. Dez anos atrás ninguém imaginaria que haveria um preso político no Reino Unido por revelar crimes de guerra. Não há precedentes para isso.

E como você vê a decisão do Equador de retirar o asilo político?
Nós sabemos que assim que o Trump assumiu o cargo de presidente, o WikiLeaks revelou o Vote 7, que era um programa da CIA para espiar as pessoas. As ferramentas usadas poderiam hackear televisões e até carros modernos, e isso é extremamente preocupante porque quer dizer que eles poderiam controlar um carro e causar uma execução que nunca saberíamos.
Nesse contexto, o vice presidente Mike Pence foi ao Equador renegociar o pagamento de empréstimos de cerca de 4 bilhões de dólares. Também o Secretário do Departamento de Estado norte americano, Mike Pompeo, fez seu primeiro pronunciamento contra o WikiLeaks e Edward Snowden, em que os chamou de uma “agência não estatal de inteligência” hostil.
Mike Pompeo também voou ao Equador para terminar um acordo entre as nações.
Então, isso prova que houve uma estratégia orquestrada com o governo Trump para fazer o Equador negociar a expulsão de Assange da embaixada.
É importante mencionar que durante a administração de Obama, um júri foi criado em Virginia e decidiu que não poderiam avançar com as acusações contra Assange porque eles não conseguiam diferenciar o que o WikiLeaks fez com o que The New York Times, o The Guardian e outros jornais, incluindo a Agência Pública no Brasil, fizeram.

O que essas ações dos EUA sobre outros países podem significar para o jornalismo?
É extremamente preocupante, porque se os EUA acabam com o direito de jornalistas de investigar o que o governo está fazendo em nome do povo, com seus impostos e com seu voto, eles estão acabando com o direito do povo saber.
É o fim da democracia como a conhecemos.
Temos visto nos últimos anos uma onda crescente de autoritarismo no ocidente. Isso é extremamente preocupante, por isso qualquer um que se importa com a democracia deveria estar se reunindo para apoiar Julian Assange.
Algumas pessoas dizem que vão se abrir precedentes caso Julian Assange seja extraditado. O que acontecerá se jornais como The Guardian, New York Times, receberem informações de Edward Snowden, ou Chelsea Manning, eles vão publicá-las? No melhor dos cenários, eles vão publicar e vão para a prisão. No pior, eles nem publicam. Ou eles publicam partes, porque estarão com medo. E isso já está acontecendo.

Gostaria que você comentasse sobre as denúncias de que Julian Assange está sendo torturado. Quando foi a última vez que você o viu?
Eu não vejo Julian desde que ele foi preso, exceto no dia 14 de agosto, quando eu vi ele através da televisão durante uma audição judicial. Ele parecia fraco e estava definitivamente sofrendo mentalmente, porque ele estava até tendo problemas para lembrar da data de seu aniversário.
Eu acompanhei as últimas sessões e o jeito que Julian tem se apresentado. Aquele não é Julian. Eu conheço ele há dez anos. Aquela não é a maneira que ele fala. Ele está sofrendo mentalmente e fisicamente.
Stella Moris, sua parceira, foi visitá-lo cerca de duas semanas atrás e disse que ele estava sofrendo muito e com dores. Ele tem um ombro machucado que foi causado durante uma prática de boxe na embaixada e isso causa muitas dores físicas. Ele também torceu o tornozelo, que é outro problema físico que ele enfrenta. Mas ele sofre ainda mais, perdeu muito peso e está proibido de ver seus filhos sob a ameaça de ser colocado em completo isolamento por 14 dias.
Eles tiveram que se ver à distância e essa foi a primeira vez que a prisão deu a ele uma máscara de proteção. Todas as outras vezes que ele foi à corte [durante a pandemia] ele não recebeu nenhuma forma de proteção, sendo que esses ambientes estão sendo usados por múltiplos presos e sabemos que há casos de coronavírus dentro da prisão. Julian tem uma condição crônica no pulmão o que o torna muito vulnerável para o covid-19.
Ainda sobre tortura, o Relator Especial de Tortura da ONU, Nils Melzer, visitou Julian com médicos especialistas e concluiu que ele estava sofrendo de sintomas de alguém que sofreu tortura psicológica. E o Reino Unido, que é obrigado a pelo menos começar uma investigação, negou as acusações e se recusou a fazer alguma coisa sobre isso.
A defesa [de Assange] recentemente deu aos promotores a avaliação psiquiátrica de Assange e eles vão apresentá-la durante o julgamento amanhã.
Algumas pessoas demonstraram preocupações inclusive sobre se Julian Assange sobreviveria até o final do julgamento. O que você espera?
Médicos especialistas se reuniram para formar uma aliança junto com advogados chamada “Lawyers for Assange”, justamente porque eles temem que a vida dele está em risco. Eles acreditam que Julian Assange pode morrer na prisão se as condições não melhorarem.
Eles pedem que Julian seja levado a um hospital universitário. Mas eles recusaram esse direito a Julian Assange.

Recentemente no Brasil, o Partido dos Trabalhadores e o ex-presidente Lula anunciaram apoio a Assange. Quão importante é isso?
Eu acredito que o Lula tomar uma posição pública sobre o caso Assange foi um ato de muita coragem e deve ser seguido por muitos outros políticos. Temos visto muitos políticos australianos mostrando solidariedade, incluindo um ex-primeiro-ministro e um ex-ministro de relações exteriores, assim como vários membros do parlamento aqui no Reino Unido, que se pronunciaram a favor de Assange.
Também há um número crescente de organizações internacionais de jornalismo e direitos humanos acompanhando o caso, como a Anistia Internacional, Human Rights Watch, Repórteres Sem Fronteiras. E elas estão pedindo para que os Estado Unidos larguem o caso e que o Reino Unido liberte Assange imediatamente.
Então, politicamente esse caso está se tornando cada vez maior e eu acredito que nós podemos vencê-lo.
Não acho que será agora, e as coisas podem ficar muito piores antes de melhorarem, mas estamos vendo uma mudança na cobertura do caso Julian Assange.
Vimos o New York Times fazer um editorial forte dizendo que as acusações contra Assange são uma ameaça à primeira emenda e vimos também o The Guardian publicar um posicionamento parecido. O ex-editor do jornal, Alan Rusbridger, escreveu três artigos sobre a importância desse caso.
E a realidade é que esse caso vai determinar não apenas o direito à liberdade de expressão e o direito à informação, mas a própria democracia ocidental. Vamos nos tornar uma nova China? Ou vamos continuar a valorizar a liberdade de expressão e de informação sobre o que nossos representantes estão fazendo em nosso nome?

Você pode comentar a cobertura da imprensa sobre o caso?
A mídia tradicional é uma mídia empresarial. Eles respondem a interesses de instituições. Cada vez há menos jornalismo e mais mídias tradicionais se tornando megafones de informações oficiais de governo.
Estamos falando de um aparato de propaganda contra Julian Assange que foi orquestrado por cinco diferentes países: Estado Unidos, Reino Unido, Suécia, Austrália e Equador. Esses governos tem métodos muito sofisticados de guerra psicológica e cumpriram um papel muito importante na imagem que foi passada de Julian Assange. E ele está sendo perseguido há dez anos.
E foi por isso que eu fiz o documentário. Eu tentei remover todas essas camadas de desinformação e simplificar o caso o máximo possível: Trata-se de um jornalista que publicou crimes de guerra e se tornou um preso político e que pode enfrentar 175 anos na prisão por acusações de espionagem.

Como um documentarista, qual você acha que é o papel da opinião pública no caso Julian Assange? Ela é poderosa o suficiente para virar o jogo?
Esse é um caso que não será vencido na corte. Ele precisa vencer na esfera política. Então, cada ação que um indivíduo toma para defender Assange é o que cria a pressão para o Reino Unido parar com o processo de extradição.
Aliás, o governo britânico tem o poder de acabar com esse caso imediatamente. A qualquer momento eles podem libertar Assange. Então, está nas mãos dos representantes do país.
Liguem para as embaixadas, liguem para os parlamentares, demonstrem suas opiniões durante esse julgamento. Há protestos sendo organizados em diversos lugares do mundo. Encontrem suas manifestações locais e participem. Ergam suas vozes para pressionar o governo britânico e americano a largarem o caso.

No Brasil, tivemos o caso do jornalista Glenn Greenwald que foi processado por publicar diálogos privados de juízes. Isso aconteceu no contexto de uma série de perseguições a jornalistas promovidas pelo governo de Jair Bolsonaro. Você vê relações entre esse caso e o caso de Assange?
O caso de Glenn Greenwald é uma cópia do caso de Julian Assange. O próprio Glenn disse isso. E o motivo dele não estar na prisão é somente devido a uma decisão da Suprema corte brasileira.
Mas isso é uma guerra ao jornalismo no ocidente de maneira geral. Glenn Greenwald é um exemplo. Julian Assange é outro grande exemplo.
Essa é uma guerra ao jornalismo e um passo para o autoritarismo, onde os governantes não querem que o povo saiba o que eles estão fazendo.

E o que jornalistas podem fazer para se prevenir dessa perseguições?
Investigar e publicar a grande quantidade de irregularidades que ocorreram durante os últimos dez anos. Estamos falando sobre denúncias de conflitos de interesses do juiz que está cuidando do caso. Ele é acusado de ter trabalhado para o serviço secreto e para empresas que foram expostas pelo WikiLeaks. Estamos falando de um caso em que a CIA, através de uma empresa espanhola chamada UC Global, espiou as conversas de Assange com seus advogados desde 2016 dentro da embaixada.
Estamos falando de alguém que está sendo torturado psicologicamente, que não vê seus advogados há 6 meses e que não pode nem ler as novas acusações contra ele.
Não há direito para a julgamento justo.
O que quer que aconteça, se Julian perder ou se a acusação ganhar, haverá recurso e qualquer que seja o resultado Julian não vai sair da prisão. Ele continuará preso até que um juiz lhe conceda a liberdade provisória.

Caso Assange seja deportado, o que você acha que pode acontecer com ele?
Nesse cenário ele será julgado por uma corte na Virgínia onde 80% da população trabalha para a CIA, Pentágono, Departamento de Segurança Nacional, FBI ou afiliadas do governo. Então o júri já será tendencioso.
Além disso, ele será colocado em um sob um regime chamado SAMs – Medidas Administrativas Especiais. Será colocado em completo isolamento e seus advogados não poderão falar durante o julgamento do caso, que será ouvido em segredo. Não poderá haver cobertura da imprensa.
Então é uma completa desvirtuação da justiça.
Essa corte é chamada de Corte da Espionagem e nenhum acusado pela segurança nacional jamais foi absolvido. É uma corte onde as pessoas são processadas e sentenciadas. Ele vai ser forçado a aceitar um acordo ou a passar 175 anos na prisão.

E como podemos acompanhar o caso?
Eu vou cobrir o caso no dontextraditeassange.com e também no meu Twitter. Lembrando que, devido à pandemia, apenas 10 jornalistas foram autorizados a entrar no tribunal. E o resto da imprensa mundial recebeu um link para acompanhar os procedimentos online. O problema é que vimos durante as audições anteriores que a tecnologia de transmissão usada é muito ruim. Praticamente inaudível. O que quer dizer que repórteres ao redor do mundo não poderão cobrir o caso propriamente. Assim, não é uma justiça aberta. Quando você apoia a Pública, sua contribuição se transforma em jornalismo investigativo sério e corajoso, com impactos reais. R$10 por mês já fazem uma grande diferença. Nos ajude a revelar as injustiças, abusos de poder e violações de direitos que se agravam em meio à pandemia. Seja nosso Aliado

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Publicidade de Bolsonaro turbinou SBT na compra dos direitos da Libertadores

15 de setembro de 2020

Thiago Braga e Ivana Negrão, via Lei de Campo em 11/9/2020

Com a compra dos direitos de transmissão da Libertadores, o SBT se recolocou no mercado das grandes transmissões esportivas. O canal paulista, que sempre se mostrou refratário ao mercado, agora volta suas fichas para o principal torneio de clubes da América do Sul. É difícil, porém, que tivesse conseguido sem o Governo Federal.

Desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência, em janeiro de 2019, ele foi minando a destinação das verbas publicitárias nas TVs abertas para a Globo. Ao mesmo tempo, SBT e Record viram as receitas crescerem exponencialmente. Dados das campanhas da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência), hoje vinculada ao Ministério das Comunicações, disponibilizados pela Secretaria, mostram que a Globo recebeu da União em 2017, R$23,31 milhões através de publicidade federal. Já o SBT, no mesmo ano, angariou menos da metade do valor, R$11,92 milhões.

Em 2019, apenas até o meio do ano, enquanto a Globo recebeu R$2,65 milhões, o SBT ficou com R$6,62 milhões.

Em porcentagem, enquanto a Globo detinha 48,52% das verbas publicitárias em 2017, agora tem somente 16,38%. O SBT viu sua participação saltar de 24,8% em 2017, para 41,01%. A mudança repentina de padrão na distribuição das verbas publicitárias chamou a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU). Em auditoria, o órgão apontou falta de clareza nos critérios técnicos para a destinação desta grana.

Além disso, a relação SBT-Governo Federal ficou ainda mais estreita quando, em 17 de junho deste ano, após recriar o Ministério das Comunicações, Bolsonaro, nomeou como ministro Fábio Faria, deputado federal pelo PSD do Rio Grande do Norte. Faria é genro de Silvio Santos, dono do SBT.

No dia seguinte, o Planalto, de forma totalmente inesperada, publicou a Medida Provisória 984, que dá ao mandante da partida o direito de comercializar os direitos de transmissão. Beneficiado pela MP, o SBT exibiu a final do Campeonato Carioca. Na ocasião, o Flamengo fechou acordo com a emissora de Silvio Santos.

Desta vez, com o pedido de rescisão de contrato por parte da Rede Globo com a Conmebol, o SBT concretizou acordo para veiculação da Copa Libertadores da América até 2022. O valor pago anteriormente pela Globo era de U$S 60 milhões ao ano.

A mudança na distribuição das verbas publicitárias aconteceu principalmente nas diferentes fases da campanha da reforma da Previdência, a mais cara do atual governo, e após Fábio Wajngarten assumir a Secom, hoje vinculada ao Ministério das Comunicações, em abril de 2019.

Até o ano passado, a Globo recebia valores mais próximos do seu share, ou seja, da participação em audiência no total de emissoras ligadas. A Secom alega que outros critérios foram utilizados para a distribuição das verbas, como a comunicação efetiva com o público-alvo das campanhas, e a frequência e o custo das inserções comerciais.

“Em tese, não é inconstitucional. Você pode direcionar os recursos para publicidade nas emissoras. Nada na lei estabelece quais critérios devem ser utilizados, há uma liberdade. Mas a administração pública é pautada pelo interesse público e por cinco princípios básicos que estão no artigo 37 da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, alerta Daniel Falcão, advogado especialista em direito constitucional.

A auditoria do TCU entendeu a necessidade de se considerar outras variáveis para a destinação das verbas para as emissoras de TV aberta. No entanto, detectou que não há uma descrição tão completa sobre as escolhas ou alterações feitas nos planos de mídia durante a campanha. “Neste momento, perde-se a possibilidade de rastrear e acompanhar as movimentações. Os critérios técnicos e objetivos precisam ser claros e estarem detalhados no processo administrativo das campanhas”, explicou a secretária de Controle Externo de Aquisições Logísticas do TCU, Tania Chioato.

“A dúvida que o TCU levanta é se essa partilha do dinheiro público que o atual governo tem feito atende mais ao interesse público. Qual a justificativa para um valor menor ir para a emissora A e mais dinheiro vá para a emissora B e C? Se houver justificativa e ela for plausível, ok”, pondera Daniel Falcão.

“Se realmente houve direcionamento de verbas publicitárias visando critérios não estabelecidos na Constituição Federal, podemos afirmar que pode ter havido desvio de finalidade. Dessa maneira, houve uma ofensa ao princípio da impessoalidade, da legalidade e da publicidade. E pode ter havido um favorecimento pessoal”, avalia Vera Chemin, advogada constitucionalista.

O processo foi aberto a partir da representação do Ministério Público de Contas para analisar se os recursos estão sendo distribuídos com critérios políticos, favorecendo Record e SBT, já que declararam apoio ao atual governo, enquanto a Globo faz uma oposição declarada. O relatório sobre o caso, cujo relator é o ministro Vital do Rêgo, será julgado pela corte em data ainda não definida.

O Lei em Campo teve acesso a outras investigações do TCU com objetivo de avaliar as despesas com publicidade do Governo Federal, também vinculadas à divulgação da PEC da reforma da Previdência e também ao Banco do Brasil. Nos documentos, o tribunal concedeu medida cautelar suspendendo a veiculação em plataformas e canais “não condizentes com os respectivos públicos-alvo definidos, como aqueles de perfil infanto-juvenil, de audiência estrangeira, sites de fake news e desinformação, além de mídias que promovem a imagem pessoal do presidente da República”.

O ministro Vital do Rêgo ainda determinou que o Ministério das Comunicações “apure os fatos e, no prazo de quinze dias, apresente ao Tribunal evidências robustas que afastem a ocorrência dos indícios de irregularidades”.

“Se você desrespeita os princípios da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) você comete improbidade administrativa, que pode gerar multa e suspensão dos direitos políticos no trânsito em julgado da decisão. Dificilmente o presidente deve ser responsabilizado por isso. Caso se comprove, pode ser punido. Mas a sanção é para o responsável direto pelo ato, me parece, no caso, que é o secretário Fábio Wajngarten”, finaliza Daniel Falcão.

Enquanto isso, a primeira transmissão da Libertadores no SBT será entre Bolívar e Palmeiras, pela terceira rodada da fase de grupos, na quarta-feira [16/9]. A emissora agora corre para fechar a equipe de transmissão. O narrador Téo José já foi confirmado como reforço para a equipe de esportes do canal paulista.

Recordando: A surpreendente tese que tenta explicar por que a CIA ignorou sinais dos ataques de 11 de Setembro

11 de setembro de 2020

Poucas investigações deram um passo atrás para examinar a estrutura interna da própria CIA e, em particular, suas políticas de contratação

Matthew Syed, via BBC Brasil em 11/9/2019

O fracasso da CIA em identificar os sinais de alerta dos ataques de 11 de setembro se tornou um dos assuntos mais controversos na história dos serviços de inteligência. Houve comissões, análises, investigações internas e muito mais.

De um lado, estão aqueles que dizem que a agência de inteligência norte-americana não percebeu sinais de alerta óbvios. Do outro, os que argumentam que é notoriamente difícil identificar ameaças de antemão e que a CIA fez tudo o que era razoavelmente possível.

Mas e se os dois lados estiverem errados? E se a verdadeira razão pela qual a CIA falhou em detectar o plano de ataque for mais sutil do que ambas as partes imaginam? E se o problema vai muito além do serviço de inteligência e afeta hoje silenciosamente milhares de organizações, governos e equipes?

Embora muitas das investigações tenham se concentrado em julgamentos específicos sobre os preparativos do 11 de Setembro, poucas deram um passo atrás para examinar a estrutura interna da própria CIA e, em particular, suas políticas de contratação.

Em determinado nível, os processos eram impecáveis. Os analistas em potencial eram submetidos a uma bateria de exames psicológicos, médicos, entre outros. E não há dúvida de que contratavam pessoas excepcionais.

“Os dois principais exames eram uma prova no estilo SAT (usadas para admissão em universidades norte-americanas) para analisar a inteligência do candidato e um teste de perfil psicológico para avaliar seu estado mental”, conta um veterano da CIA.

“Eles eliminavam qualquer um que não fosse brilhante nos dois testes. No ano em que me candidatei, eles admitiram um candidato para cada 20 mil inscritos. Quando a CIA falava que contratava os melhores, tinha razão.”

Mesmo assim, o perfil da maioria das pessoas recrutadas também parecia muito semelhante – homens, brancos, anglo-saxões, norte-americanos, de religião protestante.

Esse é um fenômeno comum nos processos de recrutamento, às vezes chamado de “homofilia”: as pessoas tendem a contratar profissionais que pensam (e geralmente se parecem) com elas mesmas.

É validador estar cercado por indivíduos que compartilhem as mesmas perspectivas e crenças. De fato, tomografias sugerem que, quando outras pessoas refletem nossos próprios pensamentos, isso estimula os centros de prazer do cérebro.

Em seu estudo sobre a CIA, os especialistas em inteligência Milo Jones e Phillipe Silberzahn escrevem: “O primeiro atributo consistente da identidade e cultura da CIA de 1947 a 2001 é a homogeneidade de sua equipe em termos de raça, sexo, etnia e origem de classe”.

O estudo de um inspetor-geral sobre o processo de recrutamento constatou que em 1964, um braço da CIA, o Escritório de Estimativas Nacionais, “não tinha profissionais negros, judeus ou mulheres, e apenas alguns católicos”.

Em 1967, o relatório informava que havia menos de 20 afro-americanos entre cerca de 12 mil funcionários não administrativos da CIA, e a agência manteve a prática de não contratar minorias entre as década de 1960 e 1980.

Até 1975, a comunidade de inteligência dos EUA “proibia abertamente a contratação de homossexuais”.

Ao falar sobre sua experiência na CIA nos anos 1980, um informante escreveu que o processo de recrutamento “levou a novos oficiais que se pareciam muito com as pessoas que os recrutaram – brancos, sobretudo anglo-saxões; de classe média e alta; graduados em artes liberais”. Havia poucas mulheres e “poucas etnias, mesmo de origem europeia recente”.

“Em outras palavras, não havia sequer a diversidade que havia entre aqueles que ajudaram a criar a CIA.”

A diversidade foi reduzida ainda mais após o fim da Guerra Fria. Um ex-oficial de operações afirmou que a CIA tinha uma “cultura branca como arroz”.

Nos meses que antecederam o 11 de Setembro, a revista acadêmica International Journal of Intelligence and Counterintelligence comentou:

“Desde o início, a Comunidade de Inteligência [era] composta pela elite protestante branca masculina, não apenas porque essa era a classe no poder, mas porque essa elite se via como garantidora e protetora dos valores e da ética norte-americanos.”

Por que essa homogeneidade importava? Se você está contratando uma equipe de revezamento, não vai querer ter apenas os corredores mais rápidos? Por que importaria se são da mesma cor, gênero, classe social etc.?

No entanto, essa lógica, apesar de fazer sentido para tarefas simples como correr, não se aplica a tarefas complexas como inteligência. Por quê? Porque quando um problema é complexo, ninguém tem todas as respostas. Todos nós temos pontos cegos, lacunas na nossa compreensão.

Isso significa, por sua vez, que se você reunir um grupo de pessoas que compartilham perspectivas e origens semelhantes, é provável que compartilhem os mesmos pontos cegos.

Ou seja, em vez de desafiar e abordar esses pontos cegos, é provável que sejam reforçados.

***

OS ATENTADOS
No dia 11 de setembro de 2001, dois aviões de passageiros se chocaram contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, como parte de uma série de ataques coordenados contra alvos nos EUA.

Um outro avião sequestrado por terroristas caiu sobre o Pentágono, na Virgínia, e um quarto, sobre a Pensilvânia, depois que passageiros resolveram enfrentar os sequestradores.

Os ataques de 11 de Setembro mataram ao todo quase 3 mil pessoas e foram reivindicados pela rede extremista Al-Qaeda, de Osama Bin Laden, morto em 2011 pelos EUA no Paquistão.

***

A cegueira de perspectiva se refere ao fato de que muitas vezes somos cegos para nossos próprios pontos cegos. Nossos modos de pensamento são tão habituais que mal percebemos como eles filtram nossa percepção da realidade.

A jornalista britânica Reni Eddo-Lodge descreve o período em que decidiu ir pedalando para o trabalho:

“Uma verdade incômoda me ocorreu enquanto carregava minha bicicleta para cima e para baixo pelos lances de escada: a maioria dos transportes públicos não era acessível facilmente… Antes de precisar carregar minhas próprias rodas, nunca havia me dado conta desse problema. Estava alheia ao fato de que essa falta de acessibilidade estava afetando centenas de pessoas.”

Este exemplo não sugere necessariamente que todas as estações devem estar equipadas com rampas ou elevadores. Mas mostra que só conseguimos realizar uma análise significativa se os custos e benefícios forem percebidos.

Isso depende da diversidade de perspectivas. Pessoas que podem nos ajudar a ver nossos próprios pontos cegos, e a quem podemos ajudar a enxergar os deles.

Osama Bin Laden declarou guerra aos Estados Unidos a partir de uma caverna em Tora Bora, no Afeganistão, em fevereiro de 1996. As imagens mostravam um homem com barba até o peito. Ele usava uma túnica por baixo do uniforme de combate.

Hoje, dado o que sabemos sobre o horror que ele provocou, a declaração parece ameaçadora.

Mas uma fonte da principal agência de inteligência norte-americana afirmou que a CIA “não podia acreditar que esse saudita alto de barba, agachado ao redor de uma fogueira, pudesse ser uma ameaça para aos Estados Unidos da América”.

Para uma massa crítica de analistas, Bin Laden parecia primitivo e não representava um grande perigo. Richard Holbrooke, alto funcionário do presidente Clinton, colocou desta maneira:

“Como um homem em uma caverna pode alcançar a sociedade líder em informação do mundo?”

Outro disse: “Eles simplesmente não conseguiram justificar a necessidade de destinar recursos para descobrir mais sobre Bin Laden e a Al-Qaeda, já que o sujeito morava em uma caverna. Para eles, ele era a essência do atraso”.

Agora, pense como alguém mais familiarizado com o Islã teria percebido as mesmas imagens.

Bin Laden estava de túnica não porque era primitivo em intelecto ou tecnologia, mas porque se inspirou no profeta Maomé. Jejuava nos dias em que o profeta jejuou. Suas poses e posturas, que pareciam tão atrasadas para o público ocidental, eram as mesmas que a tradição islâmica atribui ao mais sagrado de seus profetas.

Como Lawrence Wright destacou em seu livro sobre o 11 de Setembro, vencedor do Prêmio Pulitzer, Bin Laden orquestrou sua operação “invocando imagens que eram profundamente significativas para muitos muçulmanos, mas praticamente invisíveis para aqueles que não estavam familiarizados com essa fé”.

Jones escreveu: “A anedota da barba e da fogueira é a evidência de um padrão mais amplo, no qual norte-americanos não-muçulmanos – inclusive os consumidores de inteligência mais experientes- subestimaram a Al-Qaeda por razões culturais”.

Já a caverna tinha um simbolismo ainda mais profundo.

Como quase todo muçulmano sabe, Maomé procurou refúgio em uma caverna depois de escapar de seus perseguidores em Meca. Para um muçulmano, uma caverna é sagrada. A arte islâmica está repleta de imagens de estalactites.

Bin Laden conduziu seu exílio em Tora Bora como sua própria hégira (fuga de Maomé de Meca para Medina), e usou a caverna como propaganda.

Como disse um acadêmico muçulmano: “Bin Laden não era primitivo; ele era estratégico. Ele sabia como usar as imagens do Alcorão para incitar aqueles que mais tarde se tornariam mártires nos ataques do 11 de Setembro”.

Os analistas também foram induzidos ao erro pelo fato de Bin Laden frequentemente fazer pronunciamentos em forma de poesia.

Para analistas brancos de classe média, isso parecia excêntrico, reforçando a ideia de um “mulá primitivo em uma caverna”.

Para os muçulmanos, no entanto, a poesia tem um significado diferente. É sagrada. E os talebãs costumam se expressar em poesia.

A CIA estudava, no entanto, os pronunciamentos de Bin Laden com um marco de referência enviesado.

Como Jones e Silberzahn observaram: “A poesia em si não estava apenas em uma língua estrangeira, o árabe; derivava de um universo conceitual a anos luz de Langley (onde está localizada a sede da CIA)”.

“Ralé antimoderna”
Em 2000, a “ralé antimoderna e sem instrução” que seguia Bin Laden havia crescido, chegando a cerca de 20 mil pessoas, a maioria com curso superior e inclinada à engenharia. Yazid Sufaat, que se tornaria um dos pesquisadores de antraz da Al-Qaeda, era formado em química e ciências laboratoriais. Muitos estavam prontos para morrer por sua fé.

Enquanto isso, o alto funcionário da CIA Paul Pillar (branco, meia-idade, formado em universidade de elite) descartava a possibilidade de um grande ataque terrorista.

“Seria um erro redefinir o contraterrorismo como uma tarefa para lidar com o terrorismo ‘catastrófico’, ‘grandioso’ ou ‘superterrorismo’”, disse ele, “quando, na verdade, esses rótulos não representam a maior parte do terrorismo que os Estados Unidos provavelmente devem enfrentar”.

Outra falha nas deliberações da CIA foi a relutância em acreditar que Bin Laden iniciaria um conflito com os EUA. Por que começar uma guerra que ele não seria capaz de vencer?

Os analistas não deram o salto conceitual necessário para entender que, para os jihadistas, a vitória não seria garantida na terra, mas no paraíso.

De fato, o codinome dado pela Al-Qaeda ao plano de ataque foi “O Grande Casamento”. Na ideologia dos homens-bomba, o dia da morte de um mártir também é o dia do seu casamento, quando ele será recebido por virgens no céu.

A CIA poderia ter destinado mais recursos para investigar a Al-Qaeda. Poderia ter tentado se infiltrar na organização. Mas a agência foi incapaz de entender a urgência.

Não alocaram mais recursos, porque não perceberam uma ameaça. Não tentaram se infiltrar na Al-Qaeda porque ignoravam a lacuna em suas análises.

O problema não foi (apenas) a incapacidade de ligar os pontos no outono de 2001, mas uma falha em todo o ciclo de inteligência.

A falta de muçulmanos dentro da CIA é apenas um exemplo de como a homogeneidade enfraqueceu a principal agência de inteligência do mundo.

E dá uma ideia de como um grupo mais diverso teria possibilitado uma compreensão mais rica, não apenas da ameaça representada pela Al-Qaeda, mas também dos perigos em todo o mundo. Como diferentes pontos de referência, perspectivas distintas teriam criado uma síntese mais abrangente, diversificada e poderosa.

Uma parcela surpreendentemente alta de funcionários da CIA cresceu em famílias de classe média, enfrentou poucas dificuldades financeiras, e questões que poderiam atuar como precursores da radicalização, ou inúmeras outras experiências que poderiam ter enriquecido o processo de inteligência.

Em uma equipe mais diversa, cada um deles teria sido um ativo valioso. Como grupo, no entanto, eram falhos.

Esse problema, no entanto, não se restringe à CIA. Basta olhar para muitos governos, escritórios de advocacia, equipes de liderança do Exército, altos funcionários públicos e até executivos de algumas empresas de tecnologia.

Inconscientemente, somos atraídos por pessoas que pensam como nós, mas raramente percebemos o perigo, porque desconhecemos nossos próprios pontos cegos.

John Cleese, o comediante, falou uma vez: “Todo mundo tem teorias. As pessoas perigosas são aquelas que não têm conhecimento de suas próprias teorias. Ou seja, as teorias sobre as quais operam são amplamente inconscientes”.

Obter a combinação certa de diversidade em grupos humanos não é fácil. Reunir as mentes certas, com perspectivas que desafiam, ampliam, divergem e polinizam – em vez de papagaios, que corroboram e restringem – é uma verdadeira ciência.

E deve se converter em uma fonte importante de vantagem competitiva para as organizações, sem mencionar as agências de segurança. É assim que o todo se torna maior do que a soma de suas partes.

A CIA, por sua vez, deu passos importantes para alcançar uma diversidade significativa desde o 11 de Setembro.

Mas a questão continua perseguindo a agência – um relatório interno de 2015 foi bastante crítico.

Como John Brennan, então diretor da agência, afirmou: “O grupo de estudo analisou com atenção nossa agência e chegou a uma conclusão inequívoca: a CIA simplesmente precisa fazer mais para desenvolver o ambiente de liderança diversificado e inclusivo que nossos valores exigem e que nossa missão demanda”.

Matthew Syed é jornalista, autor do livro “Rebel Ideas: The Power of Diverse Thinking” (“Ideias Rebeldes: o poder do pensamento diverso”, em tradução livre)

Terraplanistas ficam perdidos em alto-mar ao tentar atingir “borda do mundo”

8 de setembro de 2020

Casal ignorou a pandemia do novo coronavírus para embarcar em viagem para alcançar o fim o do mundo. Foto: El Clarín.

Um casal italiano precisou ser resgatado ao se perder no Mar Mediterrâneo em “missão” de provar que a Terra é plana.

Via Estado de Minas em 6/9/2020

Que a Terra é redonda, a ciência já provou, mas para um grupo que insiste em questionar o fato, esse corpo celeste onde habitamos é plano. E foi na busca de alcançar a borda deste planeta em suposto formato de disco que um casal de terraplanistas italiano se perdeu em alto-mar e precisou ser resgatado.

A história, no mínimo curiosa, foi publicada pelo jornal argentino Clarín.

De acordo com a publicação, os dois partiram do porto da ilha de Lampedusa (entre a Sicília, na Itália, e o Norte de África) oceano adentro com a missão ancorar no limite do fim da Terra e o espaço.

Só que plano foi abortado, quando o casal se perdeu no Mar Mediterrâneo. O barco deles foi encontrado por um funcionário do Ministério da Saúde da Itália, chamado Salvatore Zichichi, que os ajudou a usar uma bússola para navegar de volta para o porto.

“O engraçado nisso é que eles usaram uma bússola que funciona de acordo com o magnetismo da Terra, um conceito que, como pessoas que acreditam na Terra plana, eles deveriam rejeitar”, declarou Zichichi.

De volta à Itália, o casal teve de passar por várias semanas de quarentena por causa da pandemia de covid-19.

Com Bolsonaro submisso a Trump, EUA ampliam punição ao Brasil na siderurgia

1 de setembro de 2020

Via Reuters em 31/8/2020

O Escritório de Comércio dos Estados Unidos disse nesta segunda-feira que estava tomando medidas adicionais para conter as importações de aço do Brasil e do México em razão da deterioração das condições do mercado norte-americano diante da pandemia de coronavírus.

A agência disse que estava reduzindo a cota remanescente de 2020 de produtos de aço semiacabado do Brasil para 60 mil toneladas de 350 mil toneladas, mas manterá as cotas existentes do Brasil para outros produtos de aço.

Também afirmou que o México concordou com consultas para estabelecer um estrito regime de monitoramento para lidar com altas na importação de tubos de aço, tubos de aço mecânico e produtos de aço semi-acabados.

QAnon: Rede terrorista de fake news da extrema-direita ecoa no Brasil

31 de agosto de 2020

Vinícius Valfré, via Portal Terra em 30/9/2020

Considerado ameaça doméstica de terrorismo nos Estados Unidos pelo potencial de incentivar violência por parte de extremistas, o movimento QAnon (sigla para “Q Anônimo”) foi adaptado ao Brasil e ganha adeptos entre radicais nacionais. A versão brasileira da teoria da conspiração criada pela extrema-direita americana tem sido cultivada em fóruns bolsonaristas e alimenta campanhas de “fake news”.

São alvos dessas campanhas ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e mesmo estratégias sanitárias na pandemia, como o uso de máscaras de proteção e “termômetros de testa”.

Em síntese, os adeptos do QAnon acreditam que o presidente Donald Trump foi escolhido por um exército secreto para uma batalha contra governantes ocultos do mundo. É um herói patriota que aceitou enfrentar uma rede de tráfico humano e pedofilia que envolve desde políticos da esquerda e atores de Hollywood até o Vaticano e o bilionário húngaro George Soros.

A origem do movimento é obscura. Os adeptos seguem um anônimo que se identifica como “Q” para lançar mensagens cifradas em um fórum da deep web – parte da internet escondida de ferramentas de busca para preservação do anonimato.

A fonte primária da teoria jamais fez qualquer menção a Bolsonaro, mas apoiadores do presidente trataram de incluir o brasileiro entre os líderes mundiais escolhidos pelo “Q” para “salvar o mundo”.

Em abril deste ano, por exemplo, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), filho do presidente, postou nas redes uma foto ao lado do pai e dos irmãos comendo milho. Para adeptos do movimento QAnon, mais do que uma mera reunião de família, a imagem era uma prova de que Bolsonaro é o escolhido. Dias antes, o “Q” havia publicado a cena de uma plantação de milho. “Junte as peças do quebra-cabeça”, dizia a mensagem postada pelo perfil “Revelação Total”.

Levantamento do Estadão identificou que, nos últimos 12 meses, ideias do movimento foram propagadas em páginas, grupos e canais de Facebook e YouTube que, juntos, somam cerca de 1,7 milhão de seguidores ou membros. Por meio da ferramenta CrowdTangle, a pesquisa considerou apenas as publicações em português. São contas que permanecem no ar, apesar das remoções de grupos de adeptos da QAnon anunciadas recentemente pelas plataformas.

Os “conspiracionistas” não estão restritos ao anonimato da internet. No ato de 21 de junho, na Esplanada dos Ministérios, apoiadores de Bolsonaro levaram cartazes ostentando a letra “Q” e também “wwg1wga”, sigla que identifica o movimento e representa em inglês a frase “onde vai um vamos todos”.

Outra manifestante carregava os dizeres “Pizzagate é real”, em referência à conspiração que serviu de gatilho ao QAnon. Em 2016, trumpistas inventaram que Hillary Clinton, então adversária de Trump nas eleições americanas, e seus principais auxiliares controlavam um esquema de tráfico de crianças de dentro de uma pizzaria, em Washington. Influenciado pela farsa, um homem foi ao local e disparou uma metralhadora.

O crescimento no território americano acendeu um alerta. Relatório do FBI que veio a público em agosto de 2019 apontou que ideias como as do QAnon “muito provavelmente” cresceriam e levariam grupos e indivíduos extremistas a cometer atos criminosos ou violentos”. A agência classificou o movimento como potencial ameaça interna de terrorismo.

Ataques
Integrantes do STF são alvos recorrentes dos fóruns conspiratórios no Facebook com informações caluniosas. Publicações buscaram ligar ministros a “orgias com garotas” organizadas pelo médium conhecido como João de Deus, sustentam que a força de Trump é capaz de influenciar decisões do Supremo e insinuam que o Judiciário conspira contra Bolsonaro.

Entre as páginas que reproduzem conteúdo QAnon estão algumas que se apresentam como “Aliança com o Brasil”, “Brasil Acima de Tudo” e “Bolsonaro direitista”. Em vídeos com “explicações” sobre a teoria é comum a defesa da “hidroxibolsonaro” no combate à covid-19. As páginas costumam ser mantidas por perfis falsos ou apócrifos.

A reportagem pediu entrevistas a quatro pessoas que são identificadas nas redes sociais como referências ao QAnon no Brasil, mas não obteve resposta. Em seus perfis, eles alegam que a “mídia mainstream” trabalha contra a “verdade secreta”.

O movimento é político, mas não só. Reportagem de junho da revista The Atlantic classificou o fenômeno como “uma nova religião”. No Brasil, o QAnon é disseminado em grupos que discutem temas esotéricos e místicos.

O psicanalista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Christian Dunker afirma que teorias conspiratórias buscam a simplificação de fenômenos que as pessoas não conseguem explicar com o repertório que detêm. “A paranoia resolve as coisas porque ela vai dizer que existe um plano maior, um sentido. E diz indiretamente para a pessoa que ela é muito importante porque passou a saber que o mundo se divide, por exemplo, no combate entre as trevas e o bem. Esse efeito de relevância, de protagonismo, é muito tentador”, disse o psicanalista.

Plataformas removem páginas ligadas a grupo
O Facebook informou, em nota enviada ao Estadão, agir constantemente contra grupos e páginas ligadas ao movimento QAnon e que violam as políticas da empresa. “Esses movimentos, no entanto, evoluem com rapidez, o que exige de nós um esforço contínuo. Portanto, seguiremos o tema de perto, estudando símbolos e terminologias e avaliando os próximos passos para manter a nossa comunidade segura”, diz a nota.

A plataforma afirmou que no dia 19 deste mês removeu 790 grupos e 100 páginas ligados ao movimento.

‘Condutas violentas’. A rede conspiratória, porém, não foi banida da plataforma. A derrubada afetou somente contas que “celebravam condutas violentas, mostravam armas de fogo, sugeriram usá-las ou tinham seguidores com padrões comportamentais violentos”.

Já o YouTube declarou que desde que atualizou sua política de discurso de ódio, em junho de 2019, removeu “dezenas de milhares” de vídeos relacionados ao QAnon e encerrou “centenas” de canais com conteúdo sobre o tema por violarem diretrizes de comunidade.

“Além disso, quando os usuários vêm ao YouTube e pesquisam tópicos sujeitos a desinformação, fornecemos contexto adicional e destacamos vídeos de especialistas ou fontes de notícias confiáveis.” Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou.

***

OS ZUMBIS DA DIREITA
Fernando Brito em 29/8/2020

Embora a gente saiba que está acontecendo, é chocante e inacreditável que estejam se formando exércitos zumbis, completamente alucinados, na extrema-direita, como os movimentos “QAnom” retratados hoje pelo Estadão, em reportagem de Vinícius Valfré.

Vejam o nível de delírio:

Em síntese, os adeptos do QAnon acreditam que o presidente Donald Trump foi escolhido por um exército secreto para uma batalha contra governantes ocultos do mundo. É um herói patriota que aceitou enfrentar uma rede de tráfico humano e pedofilia que envolve desde políticos da esquerda e atores de Hollywood até o Vaticano e o bilionário húngaro George Soros.

A origem do movimento é obscura. Os adeptos seguem um anônimo que se identifica como “Q” para lançar mensagens cifradas em um fórum da deep web – parte da internet escondida de ferramentas de busca para preservação do anonimato.

A fonte primária da teoria jamais fez qualquer menção a Bolsonaro, mas apoiadores do presidente trataram de incluir o brasileiro entre os líderes mundiais escolhidos pelo “Q” para “salvar o mundo”.

Em abril deste ano, por exemplo, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), filho do presidente, postou nas redes uma foto ao lado do pai e dos irmãos comendo milho. Para adeptos do movimento QAnon, mais do que uma mera reunião de família, a imagem era uma prova de que Bolsonaro é o escolhido. Dias antes, o “Q” havia publicado a cena de uma plantação de milho. “Junte as peças do quebra-cabeça”, dizia a mensagem postada pelo perfil “Revelação Total”.

Loucura? Pois lembre que existem grupos defendendo a ideia de que a Terra é plana e está no centro do Universo – quase 600 anos depois de Copérnico – e até de que as pistolas de termômetro causam câncer, cegueira e danos cerebrais. São as versões pós-eleitorais do kit gay de Bolsonaro que, em escala global, têm Donald Trump como uma espécie de Jaspion que vem salvar a civilização ocidental de uma conspiração sino-gay-marxista e, talvez, extraterrestre.

É coisa de deixar Jim Jones no chinelo, mas, afinal, isso a deputada Flordelis já fez.

Porque, afinal, os fanatismos se misturam e partem das convicções (ou das fés, como queiram) para chegar ao delírio e ao absurdo.

Não são apenas fake news, notícias falsas que se espalham pelas redes. É a incapacidade de raciocinar, de relacionar os fatos, de discernir o que é ilógico do que faz sentido.

Bolsonaro, com sua arminha, fez o que seus fanáticos dizem que faz a pistola-termômetro: causou graves danos cerebrais à sociedade.

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