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Breno Altman: O que o PT pode aprender com os comunistas italianos?

28 de fevereiro de 2014

Italia_PCI01Breno Altman, via Conversa Afiada

Corria o ano de 1976. O Partido Comunista Italiano alcança 36% dos votos nas eleições parlamentares (quase o dobro do PT em disputas pela Câmara dos Deputados). O secretário-geral do partido, Enrico Berlinguer, anuncia a política de solidariedade nacional. Apesar de não integrar o governo hegemonizado pela Democracia Cristã, passaria a apoia-lo no parlamento. O objetivo era dar estabilidade política ao país, que vivia longa situação de empate entre esquerda e direita, abrindo hipoteticamente caminho junto ao eleitorado mais conservador.

Esta política provoca muita tensão em setores do partido. Não há dissidências expressivas, mas o diálogo com a juventude estudantil e operária, cujo ápice de mobilização tinha ocorrido nos anos anteriores, é bastante afetado. Organizações extraparlamentares ganham espaço para liderar parcelas da esquerda, em um rumo oposto ao pregado pelos comunistas.

Nesse caldo de cultura – que combina o quadro internacional com a podridão da DC e a guinada do PCI –, emerge a luta armada na Itália, até então circunscrita a ações de propaganda. As Brigadas Vermelhas, fundadas em 1970, conquistam certo apoio e se lançam na chamada “estratégia da tensão”, declarando guerra aberta ao Estado burguês. Sua principal ação: o sequestro e assassinato, em 1978, do ex-primeiro ministro Aldo Moro, um dos chefes máximos da Democracia Cristã.

A direita pressiona por mudanças legais e constitucionais. Aspira por leis de exceção que permitissem a radicalização da repressão não apenas contra as Brigadas e outras organizações combatentes, mas contra o chamado “movimento” – os numerosos grupos sociais que davam suporte, direto ou indireto, à luta armada.

O PCI vive, então, um impasse. Romper com a política de solidariedade nacional, defendendo a Constituição e recompondo sua influência à esquerda. Ou manter seu compromisso com a DC, abraçando as políticas repressivas. Prevalece a segunda hipótese. A Itália passa a ter juízes sem rosto, suspensão de garantias constitucionais, aceitação de culpa por presunção, repressão massiva sem ordem judicial. Com o aval comunista.

Após alguns anos, as Brigadas estavam derrotadas. Quem havia se fortalecido era a direita mais dura, no seio da DC. O PCI tinha perdido influência e vê sua votação decair fortemente. Berlinguer se dá conta do erro cometido desde 1976 e comanda a virada da política no início dos anos 80, voltando à estratégia de confrontação contra as classes dominantes e o conservadorismo.

O partido recupera um pouco de sua força. Com a morte súbita do secretário-geral, em 1984, chega aos 33% dos votos nas eleições europeias e é, pela primeira vez, o partido mais votado da Itália. O “efeito Berlinguer”, no entanto, dura pouco. A decadência eleitoral e social se impõe nos anos seguintes. Uma forte corrente revisionista, forjada durante a política de solidariedade nacional, impede que se consume a guinada proposta pelo líder comunista antes de sua morte.

Final dos anos 80. Crise do socialismo. Colapso da União Soviética. A queda de influência se combina com o caos político-ideológico. A ala de direita assume o comando e liquida o PCI, que passa a se chamar Democratas de Esquerda, depois apenas Democratas e finalmente Partido Democrata. Rompe com o marxismo e o socialismo. Vira um trapo político, cuja ascensão eventual na política italiana depende de sua aliança com os antigos democratas-cristãos e seus satélites. Apoia o neoliberalismo, a política norte-americana e as posições mais conservadoras.

Os setores que discordaram dessa revisão ficam isolados e entram em processo de divisão. A esquerda italiana, a mais potente e vigorosa de todo o mundo ocidental, passa a viver sua longa crise terminal.

Obviamente as situações são distintas. Mas não é o caso da esquerda brasileira e do PT aprenderem algumas lições com essa experiência? Não seria útil refletir o que acontece quando um partido de matiz socialista passa a defender os instrumentos de repressão de um Estado que segue sob hegemonia burguesa? Não seria importante pensar quais as consequências quando a esquerda abandona o papel de campeã radical da democracia para ser o partido de uma ordem que não é a sua?

Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi.

Breno Altman: Hora de dizer a verdade para Clóvis Rossi

22 de fevereiro de 2014
Clovis_Rossi01

Rossi só se “esqueceu” de mencionar que, desde 1998, o chavismo venceu 17 das 18 contendas eleitorais que ocorreram na Venezuela.

Não pode haver hesitação quando está em jogo a democracia, O Brasil tem o dever de defender a legalidade e a soberania popular do governo venezuelano de Nicolas Maduro.

Breno Altman, via Opera Mundi

O jornalista Clóvis Rossi escreveu, na Folha de S.Paulo, artigo intitulado “Hora de dizer a verdade a Maduro”, criticando a posição atual do governo brasileiro acerca da crise venezuelana. Seu texto considera, a partir dos números das últimas eleições presidenciais, que o vizinho ao norte está “rachado ao meio”. E conclui: apoiar o presidente Nicolas Maduro seria “dar às costas à metade da população venezuelana, erro que nenhum país sério pode cometer”.

Traz vício de origem o apelo à neutralidade e a eventual papel moderador que poderia desempenhar a diplomacia brasileira. Rossi, com a elegância de sempre, mas desconhecimento sobre o assunto, parece estar abordando situação normal de conflito. Como se fosse, por exemplo, uma competição eleitoral ou um rally pacífico de setores oposicionistas.

O venerando repórter atropela o próprio registro que encabeça sua coluna, ao lembrar do golpe de Estado que derrubou Hugo Chavez em 2002, para vender versão edulcorada e neutra dos acontecimentos em curso, insinuando que se trata de um choque legítimo entre blocos políticos.

Nem mesmo o governador de Miranda e ex-candidato presidencial da direita, Henrique Capriles, acredita nessa lorota. Faz questão de manter distância regulamentar da aventura extremista apelidada de la salida pelos white blocs do golpismo venezuelano. Ali está em curso, novamente, operação violenta e articulada para apear do poder um presidente constitucional.

Não pode haver hesitação quando está em jogo a democracia. Defender a legalidade e a soberania popular é a tarefa fundamental dos governos da região, a começar pela mais importante de todas essas nações. A presidente Dilma Rousseff, ao subscrever nota incisiva do Mercosul e declaração inequívoca da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), dá demonstração de grandeza e liderança. Contemporizar com o golpismo, como sugere Rossi, seria atitude pusilânime e apequenada.

Os interesses que se movem nas sombras do vandalismo oposicionista são tão perigosos quanto os objetivos dos grupos ensandecidos que fantasiam tomar Miraflores de assalto. A guerra cibernética e midiática, manipulando informações e imagens, sinaliza que o discurso de Barack Obama, alinhado à intentona da direita, não se esgota no palavrório. A Casa Branca dá sinais que considera a derrocada de Maduro, já e agora, um componente fundamental de sua geopolítica para o petróleo e a América Latina.

O silêncio brasileiro, portanto, não seria apenas desfeita à causa democrática que tanto sangue, suor e lágrimas custou ao continente. Nações que desejam construir caminhos autônomos, em aliança com seus parceiros naturais, devem ter na solidariedade uma política de Estado. Fraquejar nessas horas significaria retirar os sapatos diante de quem aspira retornar à época em que esse canto do mundo aceitava ser o quintal de uma potência imperialista.

Por fim, a tese da “divisão ao meio” é falácia para subtrair legitimidade de um governo soberano. Desde quando uma pequena diferença eleitoral torna iguais quem ganhou e quem perdeu na escolha popular? Está correto um jornalista do calibre de Clóvis Rossi omitir que o chavismo venceu 17 das 18 contendas eleitorais que travou desde 1998? Que elegeu 20 dos 23 governadores nas últimas disputas regionais? E 75% dos prefeitos em consulta às urnas há menos de três meses?

O presidente Nicolas Maduro tem reagido com firmeza e equilíbrio para deter a onda de violência e os planos de sublevação. Cumpre obrigação de preservar a democracia e a paz como manda a lei, mas sua aposta principal é convocar às ruas seus compatriotas, em defesa da Constituição. Estende as mãos para quem não compactua com o golpismo, ao mesmo tempo que promete ser implacável contra os que quiserem usurpar o poder pela força.

Não poderia ser outra a atitude do governo que não ombreá-lo na resistência legalista. As correntes reacionárias podem reclamar o quanto quiserem, e Clóvis Rossi pode lhes oferecer consolo, mas a Venezuela não está isolada como o Chile de Allende ou o Brasil de João Goulart, a bel prazer dos que almejam destruir as instituições democráticas.

Breno Altman é jornalista, diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel.

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Carta de ano-novo a três camaradas: José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares

31 de dezembro de 2013

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Breno Altman, via Brasil 247

Nasci em uma família na qual a palavra camarada sempre representou o valor supremo das relações humanas. Seu significado vai além de qualquer trato protocolar ou laço de sangue. Camarada é irmão de trincheira, parceiro de sonho, companheiro por quem se põe incondicionalmente a mão no fogo.

Tenho orgulho, como milhares de outros brasileiros, em podê-los chamar de meus camaradas. Nestas últimas horas do ano que se encerra, apropriadas para se pensar nas batalhas travadas e nas que ainda virão, esse sentimento de fraternidade e solidariedade é uma resposta ao partido do ódio e da covardia.

Vocês pagam o preço mais alto pela reação da oligarquia contra os que lutam pela emancipação de nosso povo. Derrotadas nas urnas desde a ascensão do presidente Lula, as forças conservadoras buscam incessantemente um atalho para deslegitimar a esquerda e recuperar o terreno perdido. Não é outra a razão de seu empenho para forjar a Ação Penal 470.

A partir de erros reais cometidos pelo Partido dos Trabalhadores, originários de um sistema político-eleitoral financiado pelo capital privado, fabricou-se uma das maiores farsas jurídicas da história de nosso país. Os setores mais retrógados da velha mídia e da corte suprema, de forma arbitrária e contra provas, deram curso a um processo de exceção.

Não há novidade neste estratagema. Da cabeça enferma do capitão integralista Olímpio Mourão Filho, depois general golpista em 1964, nasceu o Plano Cohen, nos idos de 1937, para justificar o Estado Novo e o banimento dos comunistas. O conservadorismo não esconde sua frustração pelo truque, dessa vez, não ter funcionado a contento. O chamado “mensalão”, afinal, não foi capaz de contaminar a vontade popular, apesar de ter golpeado duramente o PT.

Não tenho dúvidas que, mais cedo ou mais tarde, esta farsa terá o mesmo destino que outras fantasias reacionárias do mesmo naipe, como o Caso Dreyfus ou o Incêndio do Reichstag. A verdade acabará por prevalecer, desde que se lute incessantemente por seu restabelecimento. Foi dessa maneira que o tenente Alfred Dreyfus terminou inocentado da acusação de ter traído seu país. Também foi o bom combate que desmanchou a mentira sobre o papel do líder comunista Georgi Dimitrov nas chamas que consumiram o parlamento alemão, durante os primórdios da ditadura nazista.

O espírito de vingança e perseguição, que nutre o comportamento dos principais autores da AP 470, talvez seja um sinal que não está tão longe o dia no qual esta fraude estará definitivamente desmascarada. A raiva dos tiranetes, togados ou midiáticos, engravatados ou fardados, costuma ser a expressão reversa do medo de se verem nus, flagrados em suas manobras e intenções.

Esta gente gostaria de tê-los dobrados e cabisbaixos, apequenados como quem aceita a culpa e renega a identidade. Os punhos erguidos diante da Polícia Federal foram o símbolo maior de que a estatura histórica e moral dos camaradas presos é infinitamente superior a de seus algozes.

Aquela cena será a mais cálida lembrança do ano para inúmeros homens e mulheres que formam nas fileiras progressistas. O gesto de quem responde à dor e ao sacrifício com vontade inquebrável de resistir. De quem jamais se entrega.

Vou ficando por aqui. A vocês três, um grande abraço. Com votos de um bom ano novo para todos nós, queridos camaradas, cheio de saúde e esperança.

Breno Altman: O PT deveria pedir a cabeça de Paulo Bernardo

21 de março de 2013

Paulo_Bernardo07_AberjBreno Altman, via Brasil 247

As declarações do ministro das Comunicações, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, de terça-feira, dia 19, constituem afronta à disciplina partidária. Sempre ausente nos debates organizados pelo PT e dos movimentos sociais sobre o marco regulatório de sua área, Paulo Bernardo decidiu recorrer a um jornal adversário de seu partido para atacar publicamente resolução do diretório nacional da agremiação, em um tom de quase escárnio.

Se o PT deixar tal comportamento sem resposta à altura, estará abrindo perigoso precedente para sua autoridade. Um governo de coalizão, afinal, é produto da aliança entre partidos, mesmo no sistema presidencialista. Não é um acordo entre o chefe de Estado e indivíduos que agem a seu bel-prazer. Claro que a presidente pode nomear o assessor que bem quiser, como manda a Constituição, mas os partidos têm de deixar claro quem fala ou não em seu nome, para o bem da democracia.

Um fato recente, aliás, ilustrou essa regra do jogo. O PDT, agrupamento mais frágil e inorgânico que o PT, exigiu que o ministro do Trabalho, Brizola Neto, fosse substituído por um nome que melhor representasse a posição partidária. Sem qualquer juízo de valor sobre a troca, a atitude dos pedetistas foi pertinente. A presidente logo o compreendeu e negociou a substituição reivindicada.

O caso de Paulo Bernardo é muito mais grave. Diferentemente do caso citado, o ministro paranaense optou por um discurso de ruptura contra a orientação que o PT defende para o setor. Assumiu o papel de porta-voz dos interesses das grandes corporações de comunicação e telefonia. A presidente Dilma Rousseff pode até concordar com seu auxiliar e mantê-lo no posto, pois faz parte de seu livre-arbítrio presidencial. Mas se o PT não afirmar claramente que Bernardo quebrou laços de confiança, sairá diminuído do episódio.

A senadora Heloísa Helena e outros parlamentares, no início do governo Lula, foram corretamente punidos porque votaram contra a orientação petista na reforma da Previdência. Não importa o mérito. Representantes públicos de um partido devem se submeter ao coletivo e suas instâncias. Se não o fazem, devem ser excluídos de suas funções. Não há outro caminho, na democracia, para o fortalecimento das instituições, a não ser que se aceite que carreiras pessoais sejam o epicentro da vida política.

No parlamentarismo, ao PT caberia votar moção de censura e derrubar o ministro, além de submetê-lo às regras estatutárias. Inexistindo esse instituto em nosso atual ordenamento, uma nota de condenação seria o mínimo razoável. Deixando claro à sociedade e à presidente que Paulo Bernardo não tem mais seu apoio para continuar no governo.

Breno Altman é jornalista e diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel.

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Militantes a Bernardo: “Traidor, privatista…”

O ministro das Comunicações critica resolução do PT sobre marco regulatório da mídia e desonerações às companhias de telecomunicações e recebe ataques. Comentários e piadas nas redes sociais o chamam de “ministro das Teles” ou ainda de “Globernardo”. Para o presidente do PT, discutir marco regulatório é ampliar a democracia. Paulo Bernardo afirma ser importante não confundir o tema com investimento e nem com controle da imprensa.

Via Brasil 247

As declarações do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, contra uma resolução do PT aprovada no início do mês causaram repercussões entre parlamentares do PT, jornalistas e internautas, que defendem que o que pede o PT não é censura e que as companhias de telecomunicações não deveriam receber subsídios do governo federal. “Bernardo: marco regulatório não é controle da imprensa”, escreveu o jornalista Luis Nassif, em seu blog.

“Empresa privada não tem de ter subsídio, tem de ser regulada pelo mercado. E sou favorável à democratização da mídia”, afirmou o deputado Dr. Rosinha (PT/PR). Uma entrevista com o presidente do PT, Rui Falcão, ao Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) publicada na quarta-feira, dia 20, pelo Correio do Brasil também teve grande repercussão nas redes. Nela, Falcão diz que o governo tem uma dívida com a sociedade e que discutir o marco regulatório representa ampliar a democracia.

“Todos os países têm algum tipo de regulação sobre os meios eletrônicos e não é cerceamento, ao contrário, procuram corresponder ao fato de que o direito à informação, à liberdade de expressão, é também um direito individual. Mas, com os meios modernos de comunicação, com a convergência das mídias, cada vez mais esse direito é interativo, coletivo e social. É preciso que o Estado, em nome da sociedade, fixe parâmetros e regras que não implicam a restrição de conteúdo, mas normas de funcionamento para esses meios, que são cada vez mais poderosos, formam opiniões e difundem interesses. Em todos os países há alguma regulamentação para os meios eletrônicos”, afirma Rui Falcão.

Nos comentários da reportagem “Governo tromba com PT sobre teles e mídia“, publicada no 247 na quarta-feira, dia 20, os leitores chamam Paulo Bernardo de “Globernardo”, de “ministro das teles” ou “ministro da Telefonica”. Outras críticas o acusam de ser “traidor” e “privatista”, comparando-o com o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso. Histórias em quadrinhos circulam pelo Facebook e pelo Twitter com diálogos entre o ministro e FH, pelos quais o tucano diz estar com “uma pontinha de inveja” e o petista responde: “Privatizo mesmo, e daí?”.

Para o ministro, PT confunde marco regulatório com investimento

O ministro das Comunicações fez críticas ao documento “Democratização da mídia é urgente e inadiável”, aprovado pelo PT durante convenção realizada em Fortaleza, no início de março. Ele acredita ser “incompreensível” que o partido “misture” dois assuntos que, para ele, são separados: marco regulatório da mídia e desoneração das teles – no caso, o partido ataca os subsídios concedidos pelo governo às empresas de telecomunicações. “É incompreensível que um partido que está há dez anos no governo seja contra a desoneração e critique o nosso esforço para baixar impostos”, diz ele.

Paulo Bernardo, que é filiado ao PT há 28 anos, diz ainda ser muito importante não se confundir marco regulatório com controle da imprensa e garante que “não há e nunca vai haver” marco regulatório para jornais e revistas. Alvo de críticas dos militantes, o anúncio do governo de desoneração das teles prevê subsídios de R$6 bilhões para o setor das telecomunicações nos próximos cinco anos. O plano é que as companhias invistam cerca de R$18 bilhões no País nos próximos três anos.

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Breno Altman: Quem tem domínio do fato, na democracia, é o povo

31 de outubro de 2012

Breno Altman, via Brasil 247

Os resultados das eleições municipais, concluído o 2º turno, evidenciam sólido avanço do Partido dos Trabalhadores. Apesar de alguns importantes insucessos localizados – como Salvador e Fortaleza –, a agremiação atingiu vários objetivos estratégicos.

O PT sagrou-se como a legenda mais votada do 1º turno, com 17,3 milhões de sufrágios e um crescimento de 4% sobre 2008. Aumentou em 15% o número de prefeituras que irá governar (634 contra 550). Deu salto de 16% para 20% no total do eleitorado sob sua gestão municipal. Acima de tudo, pelo peso político e simbólico, reconquistou o governo da cidade de São Paulo.

Apesar de aparente dispersão da hegemonia sobre o poder local, com o surgimento do PSD de Kassab e a expansão do PSB de Eduardo Campos, a pedra de toque das eleições concluídas no domingo, dia 28, foi o fortalecimento do maior partido da esquerda, em contraposição ao encolhimento de seu principal antagonista à direita, o PSDB.

Os tucanos perderam massa de votos (queda de 5,02%, de 14,5 para 13,8 milhões), além de número de prefeitos (de 787 para 704) e vereadores (de 5,9 para 5,2 mil). Foram surrados no sul e sudeste do País, que antes consideravam sua fortaleza. E foram duramente golpeados em sua principal cidadela: além de perderem a capital paulista, estão cercados pelo cinturão vermelho que se consolidou na área metropolitana de São Paulo.

Muitos analistas da imprensa tradicional estão atônitos. Tentam atropeladamente fugir às óbvias conclusões sobre o processo eleitoral. Ora ensaiam dar ênfase a uma suposta fragmentação do voto, ora dirigem olhos para uma eventual terceira via na polarização nacional, com a ascensão do PSB. Não passam de manobras diversionistas. A aposta que faziam era derrotar o PT e diminuir gravemente seu peso político. Perderam, e feio.

A estratégia antipetista repousava no julgamento do chamado “mensalão”. Estabeleceu-se acosso midiático jamais visto sobre a corte suprema, para buscar a degola de líderes históricos da sigla governista, apresentados à opinião pública, diuturnamente, como bandidos com sentença transitada em julgado pelos mais impolutos homens e mulheres da nação.

O espetáculo de exceção foi além de seu limiar processual. Os votos de vários ministros, ao vivo e em cores, constituíram-se em declarações moralmente condenatórias contra o PT e o governo Lula.

À oposição de direita e aos grandes veículos de comunicação, somou-se, no palanque das denúncias contra dirigentes petistas, a maioria do STF. O centro da disputa política, com o julgamento, trasladou-se para o tribunal, com a expectativa de sacramentar institucionalmente a existência do esquema para compra de apoio parlamentar entre 2003 e 2005. Desde às vésperas do golpe militar não se via tamanha operação de desgaste contra um partido.

O que se esperava, quando a deliberação togada chegasse às ruas, era o derretimento do PT. Na pior das hipóteses, ao menos um sensível encolhimento e a derrocada na tentativa de conquistar a maior cidade brasileira. No auge da ofensiva, não faltaram vozes que vaticinavam o ocaso da liderança de Lula. Mas as forças de direita viram ruir seus sonhos e tomaram uma tunda histórica.

Os áulicos do reacionarismo ainda não entendem o que se passou. O porquê da patuleia não dar bola para o julgamento na hora de votar. A mídia corporativa é obrigada a engolir, pela terceira vez, o fel de sua progressiva insignificância na formação de almas e mentes. Não conseguem aceitar que os pobres da cidade e do campo, secularmente condenados pela oligarquia à ignorância, ao desespero e à exclusão cultural, sejam capazes de forjar sua própria consciência de classe.

Os dez anos de governo petista, com seus altos e baixos, mudaram a vida de milhões. De dezenas de milhões. Pela primeira vez a multidão de miseráveis viu sua vida melhorar, de forma estável e duradoura. Aumentaram a renda, a oferta de trabalho, o acesso à educação e moradia, o sentimento de autoestima. Os vínculos de identidade com o partido responsável por essas mudanças, e principalmente com seu maior líder, foram se consolidando.

Os despossuídos, que antes eram majoritariamente reserva de mercado para distintos projetos políticos das elites, vão passando a ter lado, o seu próprio lado. A identificar amigos e inimigos, lógicas em conflito, a verdade dos fatos. Esse processo dolorido, mas enraizado, fabrica um escudo contra a manipulação midiática. E serviu de vacina contra o julgamento do “mensalão”.

Enormes massas de eleitores, apesar de expostos à chacina contra líderes petistas na corte suprema, não compraram gato por lebre. Não aceitaram a agenda que a direita lhes quis impor. Mesmo sensibilizados com o discurso anticorrupção, intuem sua falsidade nesse episódio, sua utilização como instrumento político-eleitoral.

De múltiplas formas, compreenderam que seria algo contrário a seus interesses, que poderia ameaçar o partido e o governo que abriram as portas para a emergência dos pobres como protagonistas do desenvolvimento.

Os conservadores estão, assim, desacorçoados com a indiferença do povaréu diante do espetáculo no qual empenharam todas as suas energias. De alguma maneira, ao menos simbolicamente, foi o julgamento do julgamento. Como disse um eleitor essa madrugada, na rede social: quem tem o domínio do fato, na democracia, é o povo.

Breno Altman é diretor do Portal Opera Mundi.

Breno Altman: O STF escreve uma página de vergonha e arbítrio

10 de outubro de 2012

Breno Altman, via Brasil 247

Poucas vezes, no registro das decisões judiciais, assistiu-se a cenas tão nefastas como as do julgamento da Ação Penal 470, o chamado “mensalão”. A maioria dos ministros da corte suprema, ao contrário do que se passou em outros momentos de nossa história, dessa vez embarcou na violação constitucional sem estar sob a mira das armas. Simplesmente dobrou-se à ditadura da mídia.

A bem da verdade, alguns dos magistrados foram coerentes com sua trajetória. Atiraram-se avidamente à chance de criminalizar dirigentes de esquerda e prestar bons serviços aos setores que representam.

O voto de Gilmar Mendes, por exemplo, transbordava de revanchismo contra o Partido dos Trabalhadores. O ministro Marco Aurélio de Mello, o mesmo que já havia dito, em entrevista, que considerava o golpe de 1964 como um “mal necessário”, seguiu pelo mesmo caminho. Mandaram às favas a análise concreta das provas e testemunhos. Apegaram-se às declarações de Roberto Jefferson para fabricar discurso de rancor ideológico, ainda que disfarçado por filigranas jurídicas.

Outros juízes, porém, simplesmente abaixaram a cabeça, acovardados. Balbuciavam convicções sem fatos ou argumentos dignos. A ministra Carmen Lúcia não listou uma única evidência firme contra José Dirceu ou Genoíno, contentando-se com ilações que invertem o ônus da prova. Foi pelo mesmo caminho de Rosa Weber, sempre pontificando sobre a “elasticidade das provas” em julgamentos desse naipe.

O papel nobre e honroso de resistência à chacina judicial coube ao ministro Lewandovski, o único a se ater com rigor aos autos, esmiuçando tanto os elementos acusatórios quanto as contraposições da defesa. Teve a companhia claudicante de Dias Toffoli, sempre apresentado pela velha mídia como “ex-advogado do PT”, sem que o mesmo tratamento fosse conferido a Mendes, notório aúlico tucano.

Assistimos a um julgamento político e de exceção. Um aleijão que fere os princípios constitucionais e contamina as instituições democráticas. O processo está sendo presidido por teorias que possam levar ao objetivo preconcebido, em marcha batida na qual são atropeladas seculares garantias civis.

A existência da compra de votos dos parlamentares é reconhecida sem que haja qualquer prova factual ou testemunhal. A transferência de recursos financeiros entre partidos passa automaticamente a ser considerada corrupção passiva, mesmo que não haja ato de ofício ou compromisso ilícito, renegando a jurisprudência da corte e abrindo as portas para toda sorte de subjetivismo.

Quadros de partido e governo são condenados porque a função que exercem traz em seu bojo a responsabilidade penal por supostos atos de seus subordinados ou até por aqueles sobre os quais teriam ascendência não-funcional. Em nome dessa doutrina, denominada “domínio do fato”, a presunção de inocência é fuzilada. Cabe ao réu comprovar que não teria como desconhecer o fato eventualmente delituoso.

Essa coleção de barbaridades e ofensas à Constituição ontem levou à condenação, por corrupção ativa, de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares. Dos três, apenas o ex-tesoureiro petista esteve vinculado a situações materiais, mas sem que houvesse qualquer elemento comprobatório de ação corruptora. Arrecadou e transferiu irregularmente fundos para os partidos, e desse procedimento é réu confesso, mas não houve registro fático que ele algo tivesse comprado que tivesse sido posto à venda pelos parlamentares denunciados.

Quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiu a emenda da reeleição, o deputado Ronivon Santiago, então no PFL do Acre, confessou ter recebido R$200 mil para dar seu voto a favor dessa medida. Aqui temos valor, fato e prova mediante confissão – aliás, de um crime que o STF jamais se dispôs a julgar. Nada disso, no entanto, apareceu na Ação Penal 470. Apenas ilações e conjecturas a partir de mecanismos anormais de financiamento partidário ou eleitoral.

Mas o caso de Dirceu e Genoíno é ainda pior. Não aparecem na cena de qualquer crime, delito ou contravenção. A suposta prova contra o ex-guerrilheiro do Araguaia é um contrato de empréstimo contabilizado e quitado, cujas verbas não constam das transações interpartidárias, como bem demonstrou o ministro Lewandovski. Foi condenado porque a ele se aplicou a lógica de exceção: se era presidente do PT, não tinha como ser inocente das denúncias formuladas.

A condenação do ex-chefe da Casa Civil, por sua vez, apresenta-se como a maior das brutalidades legais cometidas. Salvo acusações do condenado Roberto Jefferson, não há contra si qualquer testemunho ou evidência. Ao contrário: dezenas de depoimentos juramentados corroboram sua inocência, formando verdadeira contraprova. Mas a maioria dos ministros sequer se deu ao trabalho de citá-los ou analisá-los.

Ambos, Dirceu e Genoíno, tiveram seus direitos degolados para que os interesses mobilizadores do processo se consumassem. Há sete anos as forças conservadoras e seu partido midiático fizeram do chamado “mensalão” o centro da estratégia para enfrentar a liderança crescente do PT e do presidente Lula, de vitalidade reconfirmada em seguidas eleições, incluindo a do último domingo. Condenar os dois dirigentes era marco imprescindível dessa escalada.

O STF, acossado pela mídia corporativa, além de aviltado pelo reacionarismo e a covardia, prestou-se a um triste papel, escrevendo página de vergonha e arbítrio em sua história. De instituição responsável pela salvaguarda constitucional, abriu-se para ser o teatro onde se encena a reinvenção da direita.

Quem viver, verá.

Breno Altman é diretor editorial do sítio Opera Mundi e da revista Samuel.