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Ação Penal 470: Laudo foi escondido no Inquérito 2.474 relatado por Barbosa

6 de junho de 2013

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Perícia da Visanet ficou guardada no inquérito sigiloso e só foi incorporado à AP 470 quase um ano depois de pronta. Ela poderia ter evitado a aceitação da denúncia contra Pizzolato pelo STF.

Maria Inês Nassif, via Carta Maior

Um laudo feito pelo Instituto Nacional de Criminalística, da Polícia Federal, que fez uma perícia nas contas da Visanet e foi concluído em 20 de dezembro de 2006, não foi tornado público até 14 de novembro do ano seguinte, dois dias depois da publicação do acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) que oficializou a aceitação das acusações do então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, contra os 40 réus do chamado caso do “mensalão”. Até que isso acontecesse, o laudo ficou guardado no Inquérito 2.474, mantido sob sigilo pelo ministro Joaquim Barbosa paralelamente ao Inquérito 2.245 – que, a partir de 12 de novembro de 2007, com a publicação do acórdão, transformou-se na Ação Penal 470. No ano passado, essa ação condenou 38 dos denunciados. Barbosa foi o relator dos dois inquéritos.

A base da acusação que resultou na condenação de 40 réus do chamado “mensalão” foi o dinheiro destinado pelo Fundo Visanet de Incentivos para as campanhas publicitárias do Banco do Brasil, cuja agência era a DNA Propaganda, do empresário Marcos Valério. Segundo a denúncia do então procurador – acatada por Joaquim Barbosa em seu voto que, no ano passado, iria condenar os réus – o dinheiro da Visanet, desviado pela DNA, abasteceu os cofres do Partido dos Trabalhadores, que teria usado o dinheiro para comprar apoio de partidos ao governo no Congresso. A pessoa chave do PT nessa história seria Henrique Pizzolato, diretor de Marketing do BB, condenado por esse crime.

O laudo de 2006, todavia, afirma que os procedimentos de liberação do dinheiro eram os mesmos desde 2001, dois anos antes de Pizzolato assumir, e não cita o diretor como responsável por eventuais irregularidades na destinação do fundo.

A comprovação de que o laudo dormiu no inquérito secreto até as denúncias contra os envolvidos no chamado “mensalão” serem aceitas pelo STF é um requerimento do então procurador ao ministro Joaquim Barbosa. Nele, Souza solicita ao ministro encaminhar o laudo à Receita Federal e ao delegado da Polícia Federal, Eduardo de Melo Gama.

“O procurador-geral da República vem perante Vossa Excelência, nos autos do Inquérito 2.474 [o sigiloso], requerer…”, diz o documento.

Gama é o delegado do Inquérito 4.555/2006, da 12ª Vara Criminal de Brasília, que foi aberto contra Cláudio de Castro Vasconcelos, gerente-executivo de Propaganda do BB à época, que assinou solidariamente com Pizzolato as Notas Técnicas que condenaram o diretor no STF (junto com os dois, assinaram as notas o diretor de Varejo e o gerente-executivo de Varejo do BB). Souza enviou o pedido de inquérito contra Vasconcelos para a Justiça comum e pediu segredo de Justiça, ao mesmo tempo em que incluía Pizzolato no inquérito que foi para o STF.

O Laudo 2.828, portanto, em junho de 2007, foi encaminhado do inquérito secreto do STF para outro inquérito sigiloso, que corre até hoje na 12ª Vara Criminal de Brasília e trata da responsabilidade de Vasconcelos sobre a gestão do dinheiro da Visanet.

O Laudo 2.828 só vai existir oficialmente, para efeito do inquérito do “mensalão”, em 14 de novembro de 2007. Foi quando o procurador-geral da República mandou outro requerimento a Barbosa, desta vez dando ciência oficial da existência do documento, para efeito do inquérito já transformado em Ação Penal. Naquele momento, não existia mais a possibilidade de a defesa de Pizzolato usar o laudo em seu favor. O ex-diretor do BB já havia sido denunciado pelo crime.

Além disso, a descrição do documento enviado oficialmente para ser apensado à AP 470 não guardava nenhuma correspondência com o que o laudo efetivamente dizia.

O segundo item do requerimento nº 3.505-PGR-AF diz respeito ao “Laudo de Exame Contábil nº 2.828/2006-INC”. Na descrição do item, Souza afirma que o documento “corrobora os fatos descritos na inicial penal acerca das transferências do Banco do Brasil para a empresa DNA Propaganda Ltda. por Meio da Companhia Brasileira de Meios de Pagamentos – Visanet”.

E continua: “Em que pese o teor completo ser de leitura obrigatória, ante a profundidade da análise empreendida, alguns trechos do Laudo Pericial […] merecem destaque, pois a imputação feita na denúncia de que Henrique Pizzolato e Luiz Gushiken beneficiaram a empresa de Marcos Valério, ao fazer adiantamento de valores sem a devida contraprestação de serviços, foi confirmada pelos dados levantados”.

Não é o que dizem os auditores do INC-PF. O laudo tem 43 páginas e em nenhuma delas consta o nome de Pizzolato, ou do então ministro Luiz Gushiken, responsável pela publicidade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva quando estourou o escândalo do “mensalão”.

O laudo conclui que existem problemas escriturais nas relações entre a Visanet e a Agência DNA, mas que eles ocorrem em todo o período que compreende a existência do Fundo de Incentivo, de 2001 a 2005. E que, no período do fato sob investigação, o responsável pela gestão do fundo era o Gestor do Fundo de Incentivo, indicado pelo Diretor de Varejo junto ao Fundo de Incentivo Visanet. No período de 19/8/2002, antes, portanto, da posse do novo governo, até 19/4/2005, pouco antes do escândalo do “mensalão”, o responsável era Léo Batista dos Santos (a tese da procuradoria era a de que o responsável era Pizzolato, mas o laudo sequer se refere a ele, visto que, quando assumiu a diretoria de Marketing, Santos já geria o fundo, por indicação do diretor de Varejo).

Cláudio de Castro

O requerimento enviado pelo procurador a Barbosa em maio revela algo mais além do fato de que o Laudo 2.828 ficou guardado em um inquérito sigiloso até que se formalizasse a aceitação da denúncia contra os acusados do “mensalão”. Revela que Barbosa sabia exatamente qual era a investigação que estava sendo feita pelo delegado da Polícia Federal, Eduardo de Melo Gama.

Gama era o delegado do Inquérito 4.555/2006, que até hoje tramita na 12ª Vara Criminal de Brasília, sob a responsabilidade do juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, contra Cláudio Castro Vasconcelos.

Quando Pizzolato assumiu a Diretoria de Marketing do BB, em fevereiro de 2003, Vasconcelos já era gerente-executivo de Publicidade. Ele, Pizzolato, o diretor de Varejo, na época Fernando Barbosa de Oliveira, e o gerente-executivo de Varejo Douglas Macedo assinaram juntos, solidariamente, no período de 2003 a 2004, quatro Notas Técnicas com recomendação de veiculação publicitária ou patrocínio com o dinheiro do Fundo de Incentivo Visanet. Essas notas técnicas foram tomadas por Barbosa como provas de que Pizzolato havia favorecido a DNA (embora as notas tivessem poder apenas indicativo) e o ex-diretor do BB foi condenado por causa delas.

A existência de um representante legal do BB junto ao Fundo de Incentivo Visanet e de decisão colegiada, com a participação de mais três gestores do BB na assinatura das Notas Técnicas (configuração de coautoria), foi afirmado pela defesa de Pizzolato e objeto de arguição por Joaquim Barbosa no momento da sustentação oral do seu advogado no julgamento. Sobre este ponto, a decisão de Joaquim Barbosa não tece uma linha sequer, nem para dizer que não é verdadeira a tese da defesa.

Antônio Fernando de Souza incluiu Pizzolato no inquérito e mandou para a Justiça de Brasília a denúncia contra Vasconcelos sob o fundamento de que este não detém prerrogativa de foro. A base da acusação é a mesma: a assinatura das notas técnicas (coautoria). E foi para esse inquérito que pediu a remessa do Laudo 2.828 para o delegado responsável pelo inquérito contra Vasconcelos.

Na sessão de 17 de dezembro do ano passado, sobre um agravo interposto pela defesa de Pizzolato para ter acesso ao processo que tramita em segredo de Justiça em Brasília, o ministro Marco Aurélio Mello perguntou se o objeto era o mesmo da Ação Penal 470. Barbosa respondeu: “Ele [advogado] acha que sim”. Mas o ministro sabia a resposta.

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3 de junho de 2013
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Barbosa e o ex-procurador-geral Antônio Fernando esconderam provas capitais da Ação Penal 470.

A pedido do procurador Antônio Fernando de Souza, o ministro Joaquim Barbosa manteve um inquérito paralelo sob segredo de justiça, no Supremo Tribunal Federal (STF), e decretou sigilo em outro processo que corre no Distrito Federal contra um ex-diretor do Banco do Brasil, acusado pelo mesmo crime que condenou Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil. Por esses dois outros procedimentos passaram parte das investigações do chamado caso do “mensalão”.

Maria Inês Nassif, via Carta Maior

O então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, criaram em 2006 e mantiveram sob segredo de Justiça dois procedimentos judiciais paralelos à Ação Penal 470. Por esses dois outros procedimentos passaram parte das investigações do chamado caso do “mensalão”. O inquérito sigiloso de número 2.454 correu paralelamente ao processo do chamado “mensalão”, que levou à condenação, pelo STF, de 38 dos 40 denunciados por envolvimento no caso, no final do ano passado, e continua em aberto. E desde 2006 corre na 12ª Vara de Justiça Federal, em Brasília, um processo contra o ex-gerente-executivo do Banco do Brasil, Cláudio de Castro Vasconcelos, pelo exato mesmo crime pelo qual foi condenado no Supremo Tribunal Federal (STF) o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato.

Esses dois inquéritos receberam provas colhidas posteriormente ao oferecimento da denúncia ao STF contra os réus do “mensalão” pelo procurador Antônio Fernando, em 30 de março de 2006. Pelo menos uma delas, o Laudo nº 2.828, do Instituto de Criminalística da Polícia Federal, teria o poder de inocentar Pizzolato.

O advogado do ex-diretor do BB, Marthius Sávio Cavalcante Lobato, todavia, apenas teve acesso ao inquérito que corre em 1ª instância contra Vasconcelos no dia 29 de abril deste ano, isto é, há um mês e quase meio ano depois da condenação de seu cliente. E não mais tempo do que isso descobriu que existe o tal inquérito secreto, de número 2.454, em andamento no STF, também relatado por Joaquim Barbosa, que ninguém sabe do que se trata – apenas que é um desmembramento da Ação Penal 470 –, mas que serviu para dar encaminhamento às provas que foram colhidas pela Polícia Federal depois da formalização da denúncia de Souza ao Supremo. Essas provas não puderam ser usadas a favor de nenhum dos condenados do “mensalão”.

Essa inusitada fórmula jurídica, segundo a qual foram selecionados 40 réus entre 126 apontados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito e decidido a dedo para qual dos dois procedimentos judiciais (uma ação penal em curso, pública, e uma investigação sob sigilo) réus acusados do mesmo crime deveriam constar, foi definida por Barbosa, em entendimento com o procurador-geral da República da época, Antônio Fernando, conforme documento obtido pelo advogado. Roberto Gurgel assumiu em julho de 2009, quando o procedimento secreto já existia.

A história do processo que ninguém viu

Em março de 2006, a CPMI dos Correios divulgou um relatório preliminar pedindo o indiciamento de 126 pessoas. Dez dias depois, em 30 de março de 2006, o procurador-geral da República, rápido no gatilho, já tinha se convencido da culpa de 40, número escolhido para relacionar o episódio à história de Ali Baba. A base das duas acusações era desvio de dinheiro público (que era da bandeira Visa Internacional, mas foi considerado público, por uma licença jurídica não muito clara) do Fundo de Incentivo Visanet para o Partido dos Trabalhadores, que teria corrompido sua base aliada com esse dinheiro. Era vital para essa tese, que transformava o dinheiro da Visa Internacional, aplicado em publicidade do Banco do Brail e de mais 24 bancos entre 2001 e 2005, em dinheiro público, ter um petista no meio. Pizzolato era do PT e foi diretor de Marketing de 2003 a 2005.

Pizzolato assinou três notas técnicas com outro diretor e dois gerentes-executivos recomendando campanhas de publicidade e patrocínio (e deixou de assinar uma) e foi sozinho para a lista dos 40. Os outros três, que estavam no Banco do Brasil desde o governo anterior, não foram mencionados. A Procuradoria Geral da República, todavia, encaminhou em agosto para a primeira instância de Brasília o caso do gerente-executivo de Publicidade, Cláudio de Castro Vasconcelos, que vinha do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso. O caso era o mesmo: supostas irregularidades no uso do Fundo de Incentivo Visanet pelo BB, no período de 2001 a 2005, que poderia ter favorecido a agência DNA, do empresário Marcos Valério. Um, Pizzolato, que era petista de carteirinha, respondeu no Supremo por uma decisão conjunta. Outro, Cláudio Gonçalves, responde na 1ª instância porque o procurador considerou que ele não tinha foro privilegiado. Tratamento diferente para casos absolutamente iguais.

Barbosa decretou segredo de Justiça para o processo da 1ª instância, que ficou lá, desconhecido de todos, até 31 de outubro do ano passado, quando a Folha de S.Paulo publicou uma matéria se referindo a isso (“‘Mensalão’ provoca a quebra de sigilo de ex-executivos do BB”). Faltavam poucos dias para a definição da pena dos condenados, dentre eles Pizzolato, e seu advogado dependia de Barbosa para que o juiz da 12ª Vara desse acesso aos autos do processo, já que foi o ministro do STF que decretou o sigilo.

O relator da AP 470 interrompera o julgamento para ir à Alemanha, para tratamento de saúde. Em sua ausência, o requerimento do advogado teria de ser analisado pelo revisor da ação, Ricardo Lewandowski. Barbosa não deixou. Por telefone, deu ordens à sua assessoria que analisaria o pedido quando voltasse.

Quando voltou, Barbosa não respondeu ao pedido. Continuou o julgamento. No dia 21 de novembro, Pizzolato recebeu a pena, sem que seu advogado conseguisse ter acesso ao processo que, pelo simples fato de existir, provava que o ex-diretor do BB não tomou decisões sozinho – e essa, afinal, foi a base da argumentação de todo o processo de “mensalão” (um petista dentro de um banco público desvia dinheiro para suprir um esquema de compra de votos no Congresso feito pelo seu partido).

No dia 17 de dezembro, quando o STF fazia as últimas reuniões do julgamento para decidir a pena dos condenados, Barbosa foi obrigado a dar ciência ao plenário de um agravo regimental do advogado de Pizzolato. No meio da sessão, anunciou “pequenos problemas a resolver” e mencionou um “agravo regimental do réu Henrique Pizzolato que já resolvemos”. No final da sessão, voltou ao assunto, informando que decidira sozinho indeferir o pedido, já que “ele [Pizzolato] pediu vistas a um processo que não tramita no Supremo”.

O único ministro que parece ter entendido que o assunto não era tão banal quanto falava Barbosa foi Marco Aurélio Mello.

Mello: “O incidente [que motivou o agravo] diz respeito a que processo? Ao revelador da Ação Penal nº 470?”

Barbosa: “Não.”

Mello: “É um processo que ainda está em curso, é isso?”

Barbosa: “São desdobramentos desta Ação Penal. Há inúmeros procedimentos em curso.”

Mello: “Pois é, mas teríamos de apregoar esse outro processo que ainda está em curso, porque o julgamento da Ação Penal nº 470 está praticamente encerrado, não é?”

Barbosa: “É, eu acredito que isso deve ser tido como motivação…”

Mello: “Receio que a inserção dessa decisão no julgamento da Ação Penal nº 470 acabe motivando a interposição de embargos declaratórios.”

Barbosa: “Pois é. Mas, enfim, eu estou indeferindo.”

Segue-se uma tentativa de Marco Aurélio de obter mais informações sobre o processo e de prevenir o ministro Barbosa que ele abria brechas para embargos futuros, se o tema fosse relacionado. Barbosa reitera sempre com um “indeferi”, “neguei” [assista ao vídeo no final do texto]. O agravo foi negado monocraticamente por Barbosa, sob o argumento de que quem deveria abrir o sigilo de justiça era o juiz da 12ª Vara. O advogado apenas conseguiu vistas ao processo no DF no dia 29 de abril passado.

Um inquérito que ninguém viu

O processo da 12ª Vara, no entanto, não é um mero desdobramento da Ação Penal 470, nem o único. O procurador-geral Antônio Fernando fez a denúncia do caso do “mensalão” ao STF em 30 de março de 2006. Em 9 de outubro daquele ano, em uma petição ao relator do caso, solicitou a Barbosa a abertura de outro procedimento, além do inquérito original (o 2.245, que virou a AP 470), para dar vazão aos documentos que ainda estavam sendo produzidos por uma investigação que não havia terminado (Souza fez as denúncias, portanto, sem que as investigações de todo o caso tivessem sido concluídas; a Polícia Federal e outros órgãos do governo continuavam a produzir provas).

O ofício é uma prova da existência do inquérito 2.245, o procedimento paralelo criado por Barbosa que foi aberto em outubro de 2006, imediatamente ganhou sigilo de justiça e ficou sob a responsabilidade do mesmo relator Joaquim Barbosa.

Diz o procurador na petição: “Por ter conseguido formar juízo sobre a autoria e materialidade de diversos fatos penalmente ilícitos, objeto do inquérito 2.245, já oferecia a denúncia contra os respectivos autores”, mas, informa Souza, como a investigação continuar, os documentos que elas geram têm sido anexados ao processo já em andamento, o que poderia dar margens à invalidação dos “atos investigatórios posteriores”. E aí sugere: “Assim requeiro, com a maior brevidade, que novos documentos sejam autuados em separado, como inquérito […].”

Barbosa defere o pedido nos seguintes termos: “Em relação aos fatos não constantes da denúncia oferecida, defiro o pedido para que os documentos sejam autuados em separado, como inquérito. Por razões de ordem prática, gerar confusão.”

No inquérito paralelo, o de número 2.474, foram desovados todos os resultados da investigação conduzida depois disso. Nenhum condenado no processo chamado “mensalão” teve acesso a provas produzidas pela Polícia Federal ou por outros órgãos do governo depois da criação desse inquérito porque todos esses documentos foram enviados para um inquérito mantido todo o tempo em segredo pelo Supremo Tribunal Federal.

***

Momentos da sessão do STF em que Barbosa rejeita recurso de Pizzolato

Via Jornal GGN

No dia 17 de dezembro de 2012, na sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que discutia a “dosimetria” das penas dos condenados na Ação Penal 470, o chamado caso do “mensalão”, o presidente e relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, interrompeu a sessão 1:25:57s depois de iniciada para expor “alguns probleminhas” ao plenário. Puxou um papel e fez uma referência a “um agravo regimental do réu Henrique Pizzolato”. Diz, então, que é um agravo da semana anterior, já resolvido pelo plenário, e passa a palavra para a ministra Carmen Lúcia.

Passados 1:59:49s da sessão, Barbosa expõe o agravo de instrumento que era, de fato, a novidade, feito pelo advogado de Henrique Pizzolato, Marthius Sávio Cavalcante Lobato. O ministro Marco Aurélio Mello tenta obter informações mais precisas sobre o processo da 12ª Vara de Brasília, ao qual o advogado pede acesso, mas Barbosa tergiversa. É socorrido em dado momento pelo ministro Dias Toffoli, mas Marco Aurélio volta ao assunto com um “Vossa Excelência veja bem”. Barbosa interrompe com um ríspido.

“Decidi monocraticamente, ministro Marco Aurélio.”

Pequenos problemas…

“Mensalão”: A história de uma farsa

28 de maio de 2013
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Raimundo Pereira é um dos jornalistas mais respeitados do País.

Homenagem a um jornalista.

Miguel do Rosário, do blog O Cafezinho

Outrora se falava que “ainda existem juízes em Berlim”, referindo-se aos derradeiros magistrados que resistiram à sanha nazista e defenderam princípios constitucionais numa Alemanha mergulhada em profunda crise. Que grande ironia assistir, num Brasil que vive o apogeu de sua democracia e goza de sólida estabilidade econômica, a inversão dessa frase. Não existem mais juízes em Brasília? Essa pergunta ainda está no ar, visto que há um fiapo de esperança de vermos o STF evitar a desmoralização de se render às forças do atraso e à arbitrariedade. Mas a frase vale para uma outra atividade crucial quando se discute este processo político e judiciário conhecido por “mensalão”. Ainda existem jornalistas no Brasil? Felizmente, sim. Endereço a frase especialmente para o editor da revista Retrato do Brasil, Raimundo Pereira, que realizou um trabalho criterioso e completo para desconstruir as mentiras contidas na denúncia da Ação Penal 470.

Se durante o julgamento, as matérias de Pereira fossem publicadas num jornal de grande circulação e seu conteúdo fosse adaptado para a televisão, outro seria o destino dos réus, e poderíamos testemunhar um outro debate, bem mais consequente. Estaríamos agora discutindo, de maneira mais objetiva, um fato gravíssimo: a construção de uma conspirata política para derrubar um governo eleito, ao arrepio de inúmeros direitos constitucionais consagrados. A procuradoria e alguns ministros lançaram cidadãos na fogueira da vergonha pública apenas para provar uma tese pré-montada.

Relendo a Edição Especial da Retrato do Brasil, cuja manchete é “A construção do mensalão”, e a edição número 65, intitulada “A prova do erro do STF”, senti o alívio de constatar que parte do trabalho que eu me dispunha a fazer, já está pronto, o que me deixa um caminho aberto para passar à etapa seguinte, a análise das consequências. O material coletado por Pereira derruba as teorias centrais da denúncia da Procuradoria. A demolição que faz no caso Visanet, inclusive publicando os documentos que os juízes se recusaram a ver, é particularmente arrasadora. Não sobra pedra sobre pedra.

Pereira faz o serviço que caberia a um juiz honrado: inocenta Henrique Pizzolato consultando os documentos apresentados pelo próprio réu à acusação. E ainda envereda por um caminho que eu também procurei trilhar nessa história: o aspecto humano. É um aspecto essencial porque nos faz pôr de lado, por um momento, as paixões políticas.

Perdoem-me insistir tanto na figura de Pizzolato. Não sou advogado dele, não temos nenhum acordo pecuniário. Minha insistência se dá por várias razões. Primeiro, por praticidade. Ele mora perto da minha casa, é uma figura de fácil acesso, e sua vida familiar hoje tem apenas um objetivo: provar sua inocência; com toda a calma e convicção, conta o que aconteceu, mostra os documentos, esclarece e procura nos olhos do interlocutor uma explicação plausível para a arbitrariedade terrível que lhe esmagou.

Segundo, por razões de afinidade: Pizzolato não é uma celebridade, como José Dirceu, cercado de fãs e frenesi militante. É um indivíduo pacato, de hábitos extremamente simples. Seria um pouco inexato chamá-lo de “um homem comum”, porque não é fácil encontrar gente com uma história tão bonita. Uma história de conquistas, luta política, grandes sonhos. Foi o primeiro diretor sindical eleito para cargo de representação funcional na administração do Banco do Brasil. Foi um dos articuladores, junto ao Banco, da campanha contra a fome idealizada por Betinho, junto do qual viajou todo o país, iniciativa que abriria caminho para Lula mais tarde fazer suas caravanas da cidadania. Na campanha de 2002, idealizou os kits de apoio a Lula para a Classe A, as famosas estrelinhas douradas, que tanto ajudaram a quebrar o preconceito das elites contra o PT. Como diretor de marketing do BB, levou a cabo várias inovações, muitas das quais hoje passaram por retrocesso; e tinha planos de fazer inúmeras outras, que poderiam trazer benefícios à instituição e ao país.

Terceiro, porque derrubando a acusação contra Pizzolato, desmonta-se um dos suportes cruciais da Ação Penal 470, o uso de dinheiro público no mensalão, que serviu à Procuradoria e ao STF para rechaçar a tese da defesa, de que os volumes movimentados corresponderiam a um caixa 2 de campanha eleitoral.

A principal razão, sobretudo, do meu interesse na figura de Pizzolato é que sua condenação (e o linchamento moral que sofreu, ainda mais severo) simboliza o caso mais chocante de arbitrariedade que já testemunhei. Me fez pensar inclusive na diferença entre injustiça e arbitrariedade.

Uma coisa é a injustiça, para o qual sempre concorrem as agruras do destino e cujas responsabilidades se diluem por todo o corpo social e pelo tempo histórico. Uma criança famélica vagando nas ruas da nossa cidade é culpa de todos nós, é culpa da nossa história, mas justamente por essa culpa distribuir-se tanto, ela perde força em nossa consciência. Viramos o rosto e seguimos em frente. Não podemos consertar tudo.

Uma arbitrariedade é diferente. Não é, como a injustiça, uma consequência de vícios históricos; ela tem um rosto ou vários rostos, e emerge de um ambiente de violência extrema, no caso a violência covarde dos estamentos conservadores da sociedade (mídia corporativa, certa elite aristocrática do funcionalismo, setores raivosos da classe média) contra um ou mais indivíduos, sem lhe dar chance de se defender.

Eu me recuso a aceitar ser responsável pela arbitrariedade cometida contra Pizzolato; sinto-me, ao contrário, também uma vítima. Sinto-me vulnerável. O que aconteceu a ele poderia acontecer a qualquer um. Claro, o fato de ser petista e ter lutado, a vida inteira, por justiça social, ajuda a virar alvo.

Não é uma arbitrariedade que se poderia atribuir a uma confusão judiciária. Tanto os procuradores quanto Joaquim Barbosa, que desde o início tinham acesso aos documentos, dispunham de provas que o inocentavam completamente. Não só ignoraram essas provas. Ocultaram-nas! Isso é o mais chocante. Documentos fundamentais para se esclarecer a relação entre BB, Visanet e DNA foram simplesmente escondidos embaixo do tapete pela procuradoria – e igualmente ignorados por Joaquim Barbosa. Destacamos, principalmente, os pareceres jurídicos do BB em relação à Visanet e o Regulamento do Fundo de Marketing, da própria Visanet (de 2001), que derrubam a tese de que os recursos eram do BB; e o Laudo 2828, que inocenta Pizzolato.

Se falássemos de uma comarca do interior, sempre poderíamos esperar que Pizzolato, que não tem direito a foro privilegiado, poderia apelar para uma segunda instância, ou seja, para o Supremo. Mas não. Ele foi lançado diretamente para o último círculo do inferno, sem esperança de redenção!

Temos, portanto, uma situação de absoluta ironia. O julgamento vendido à sociedade como uma vitória da ética sobre a política foi, na verdade, um espetáculo grotesco de desonestidade, tanto por parte da procuradoria quanto por parte de ministros do STF.

Joaquim Barbosa, pintado pela revista Veja como o “menino que mudou o Brasil”, passará a história como um dos mais incompetentes e desonestos juízes que já passaram pelo Supremo Tribunal Federal. A responsabilidade de Barbosa é particularmente grave porque ele acompanhou os inquéritos desde o início, antes mesmo de se tornarem a Ação Penal 470. Foi dele a decisão de manter toda a documentação fora do alcance dos próprios ministros do STF, até pouco antes do julgamento, de maneira que estes, sem tempo hábil para estudar a contento o processo, inclinaram-se a seguir a orientação do relator, ou seja, o próprio Joaquim Barbosa.

E agora, que os embargos trazem à tona um oceano de inconsistências, mentiras e arbitrariedades, o próprio STF se vê numa sinuca de bico. Assistimos a uma interessante mudança nos ventos. O barquinho dos réus, que se dirigia aceleradamente na direção da cascata, onde se despedaçaria nas pedras lá embaixo, prendeu-se a um galho na margem e pode vir a ganhar proteção de uma rocha logo à frente.

O que eu temo, contudo, é que a sociedade se contente com uma migalha: que os embargos façam os ministros reverem as penas de Dirceu e Genoíno, que os dois não sejam encarcerados em regime fechado ou mesmo semiaberto; mas os outros réus sejam lançados aos leões para satisfazer o circo romano da opinião publicada. Não penso apenas em Pizzolato, mas naquelas secretárias, algumas condenadas a penas superiores a conferidas a homicidas confessos. O que elas têm a ver com as negociatas políticas dos partidos ou, pior, com a trama ficcional inventada pela acusação e aceita pelo STF?

Estamos na Roma Antiga ou no Brasil do Século 21?

Para continuar a ler este texto, clique aqui.

Capítulos anteriores da série:

Prefácio: Mensalão, a história de uma farsa.

Capítulo 1: Acusações contra Pizzolato lembram Dreyfus e Kafka.

Capítulo 2: O caso Visanet.

Capítulo 3: As bombas lá fora.

Capítulo 4: Tirem as crianças da sala.

Capítulo 5: As bombas aqui dentro.

Consulte o site http://www.retratodobrasil.com.br, ou ligue para (11) 3814-9030 para solicitar as edições que tratam da Ação Penal 470.

O STF e a encenação do “mensalão”

28 de dezembro de 2012

Gilmar_Mendes13_BoquinhaComo se montou a prova do “maior escândalo da história da República”. E por que essa “prova” é falsa e precisa ser revista pelo STF.

Via O Retrato do Brasil

Vale a pena ver de novo. Está no YouTube (http://youtu.be/-smLnl-CFJw), nos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do dia 29 de agosto, no julgamento do “mensalão”. A sessão já tinha 47 minutos. Fala o ministro Gilmar Mendes. Ele esclarece que tratará da “transferência de recursos por meio da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP)”. Diz, preliminarmente, que, a seu ver, “se cuidava” de recursos públicos. Faz, então, uma pausa. E adverte ao presidente da casa, ministro Ayres Britto, que fará um registro. De fato, é uma espécie de pronunciamento ao País.

Ele diz que todos que tivemos alguma relação com esta “notável instituição”, que é o Banco do Brasil, “certamente ficamos perplexos”. Lembra que o revisor, Ricardo Lewandowski, “destacou que reinava uma balbúrdia” na diretoria de marketing do banco e completa dizendo que parecia ser uma balbúrdia no próprio banco como um todo. A seguir, ergue a cabeça, tira os olhos do voto que lia meio apressadamente, encara seus pares. E diz cadenciadamente: “Quando eu vi os relatos se desenvolverem, eu me perguntava, presidente: o que fizeram com o Ban-co-do-Bra-sil?”

Então, põe alguns dedos da mão esquerda sobre os lábios e explica: “Quando nós vemos que, em curtíssimas operações, em operações singelas, se tiram desta instituição 73 milhões, sabendo que não era para fazer serviço algum…” Neste ponto, parece tentar repetir o que disse e fala engolindo pedaços das palavras: “E se diz isso, inclus… [parece que ele quis dizer inclusive] não era para prestar servi [serviço, aparentemente].” E conclui, depois de pausa dramática, ao final separando as sílabas da palavra para destacá-la: “Eu fico a imaginar […] como nós descemos na escala das de-gra-da-ções.”

RB vê a narrativa do ministro de outra forma. Foi um dramalhão, um mau teatro. Mas, a despeito do grotesco, a tese central do “mensalão” é exatamente a encenada pelo ministro Mendes. E só foi possível aos ministros do STF concordar com ela porque se tratou de um julgamento de exceção. Um julgamento excepcional, feito sob regras especiais, para condenar os réus.

Esta tese diz que, sob o comando de Henrique Pizzolato, o então diretor de marketing e comunicação do BB, foi possível tirar, graças a uma propina que ele teria recebido, R$73,8 milhões para que uma trinca de quadrilhas comandadas pelo ex-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, comprasse deputados.

Deixaram os advogados da defesa falar por apenas uma hora em agosto. E os ministros falaram por mais de dois meses, com uma espécie de promotor público, o ministro Joaquim Barbosa, brandindo a regra de condenar por indícios, e não por provas, réus a quem foi negado um dos princípios históricos do direito penal, o da presunção da inocência.

E deu no que deu. A tese central do “mensalão” é tão absurda que ainda se espera que o STF possa revogá-la. Ela diz que foram desviados para o PT os tais R$73,8 milhões de recursos do BB para comprar sete deputados e aprovar, por exemplo, a reforma da Previdência, que todo mundo sabe ter passado com apoio da direita não governista sem precisar de um tostão para ser aprovada.

Dos autos do processo, com aproximadamente 50 mil páginas, cerca de metade é dedicada a três auditorias do BB sobre o uso do Fundo de Incentivo Visanet (FIV), do qual teriam sido roubados os tais milhões. Pois bem: em nenhuma parte, nem em uma sequer das páginas dessas gigantescas auditorias, afirma-se que houve desvio de dinheiro do banco.

Nem o BB nem a Visanet processaram Pizzolato até agora. Simplesmente porque, até agora, não se propuseram a provar que ele comandou o desvio, nem mesmo se houve o desvio. E também porque está escrito explicitamente nos autos que não era ele quem ordenava os adiantamentos de recursos para a empresa de propaganda DNA, de Marcos Valério, fazer as promoções.

O adiantamento de recursos à DNA era feito não pela diretoria que ele comandava, a Dimac, mas por um funcionário da Direv, a diretoria de varejo. Esta diretoria era, com certeza, a grande interessada na venda dos cartões, o que, aliás, fez com raro brilho, visto que o BB desbancou o Bradesco, o sócio maior da CBMP, na venda de cartões de bandeira Visa.

Nesta edição, na matéria a seguir, “Um assassinato sem um morto”, Retrato do Brasil mostra um documento reservado da CBMP, preparado por um grande escritório de advocacia de São Paulo para ser encaminhado à Receita Federal, no qual a companhia lista todos esses trabalhos, que confirma informações constantes das outras três auditorias do BB. Porém, acrescenta um dado essencial: mostra que a empresa tem os recibos e todos os comprovantes — como fotos, vídeos, cartazes, testemunhos — atestando que os serviços de promoção para a venda de cartões de bandeira Visa pelo BB foram realizados. Ou seja, que não houve o desvio.

A tese do grande desvio que criou o “mensalão” surgiu na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios já no início das investigações, em meados de 2005, quando se descobriu que Henrique Pizzolato estava envolvido no esquema do “valerioduto”. E ganhou forma acabada no relatório final desta comissão, entregue à Procuradoria da República em meados de abril de 2006.

O então procurador-geral Antônio Fernando de Souza, menos de uma semana depois, encaminhou a denúncia ao STF, onde ela caiu sob os cuidados do ministro Joaquim Barbosa. O que Souza fez de destaque na denúncia foi tirar da lista de indiciados feita pela CPMI, na parte que apresentava os que operavam o FIV no BB ou que poderiam ser vistos como responsáveis pelo desvio, todos os que não eram petistas. Souza — não ingenuamente, deve-se supor — retirou da lista de indiciados todos os que vinham do governo anterior, do PSDB, entre os quais o diretor de varejo, que tinha, no caso, o mesmo, ou até mais alto, nível de responsabilidade de Pizzolato. E excluiu também o novo presidente do banco, Cássio Casseb, um homem do mercado.

“Mensalão”: Um assassinato sem um morto

5 de dezembro de 2012

Pizzolato03

Henrique Pizzolato (foto) foi condenado no STF por um crime – ter desviado R$73,8 milhões do Banco do Brasil. Mas o desvio não existe. Observe a prova disto na lista publicada a seguir.

Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira, via O Retrato do Brasil e dica de Alexandre Cesar Costa Teixeira

Na Idade Média, condenava-se uma bruxa sem precisar provar a existência material do crime. Sua confissão bastava. Com Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil (BB), foi pior: ele nunca confessou que tivesse desviado R$73,8 milhões do BB para o suposto esquema de corrupção do “mensalão”. Mas foi condenado por 11 votos a zero, no Supremo Tribunal Federal, por esse crime.

Foram feitas três auditorias pelo BB sobre o emprego dos recursos que o banco recebia da Companhia Brasileira de Meios de Pagamentos (CBMP) para uso em promoções e publicidade para a venda de cartões de bandeira Visa – dos quais os R$73,8 milhões teriam sido desviados. É certo que em todas as auditorias há indícios de irregularidades. O ministro revisor da Ação Penal do “mensalão”, a AP 470, Ricardo Lewandowski – que frequentemente corrigiu, para menos, a fúria condenatória do ministro relator Joaquim Barbosa – disse que a gestão dos recursos era uma balbúrdia.

Uma das auditorias, feita em 2004, quando Henrique Pizzolato ainda era diretor do BB, apontava muitas imperfeições no processo de uso dos recursos. Nessa auditoria, como nas outras duas, aparecem – algumas vezes, inclusive – variações da mesma preocupação: a gestão era ruim, a tal ponto que deixava a dúvida de saber se todos os projetos de promoção e publicidade haviam sido de fato realizados.

A corte não se preocupou em obter as provas materiais do crime. O argumento dos ministros do STF foi o de que, em casos de gente muito poderosa, com enorme capacidade para ocultar as provas, e, especialmente, em casos de corrupção, a fim de evitar a impunidade, se deveria condenar com base nos indícios. E pobre Pizzolato: como se viu, havia indícios de irregularidades.

Mas, afinal, os projetos foram realizados? Ou não? Antes: Pizzolato era tão poderoso assim que teria sido capaz de ocultar todas as provas concretas do desvio realizado? Jamais. Ele pediu demissão de seu cargo no BB e na diretoria da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do banco, logo que seu nome apareceu no escândalo, em meados de 2005. Como se pode verificar na tabela abaixo, os 93 projetos de uso dos recursos do fundo dos quais os R$73,8 milhões teriam sumido eram todos, se realizados, de enorme exposição pública. Se não realizados, eram praticamente impossíveis de inventar.

Mais uma vez, pobre Pizzolato, nenhuma das instâncias com poder para tal mandou fazer essa simples prova da existência material do delito: investigar se as ações de incentivo haviam sido realizadas ou não, requisito essencial para condená-lo pelo desvio dos recursos destinados a elas. O PT, do qual Pizzolato foi um dos abnegados criadores [leia a matéria “A verdade o absolverá?” na revista impressa Retratos do Brasil], que tinha a Presidência da República, o Ministério da Justiça e, em tese, o comando do Banco do Brasil, o abandonou como se ele fosse culpado.

A principal das três comissões parlamentares de inquérito que investigou a história, a CPMI dos Correios, presidida pelo petista Delcídio Amaral e relatada pelo peemedebista Osmar Serraglio, ambos da chamada base aliada, encomendou inúmeros inquéritos à Polícia Federal, todos eles em busca, digamos assim, dos criminosos. Nenhum em busca do “morto”.

Na Justiça, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, mal recebeu, em abril de 2006, as grandiosas conclusões da CPMI, de que teria sido cometido um dos maiores crimes da história política do País, graças ao desvio de dinheiro do BB, fez apenas uma depuração política nas conclusões, para deixar somente petistas na lista dos indiciados (leia a matéria “Ponto de Vista” na revista impressa Retratos do Brasil]. E abriu o inquérito 2.245, que seria presidido – em nome do STF, visto que as investigações envolviam pessoas com foro privilegiado – pelo ministro Joaquim Barbosa.

Tanto o procurador-geral Souza como o ministro Barbosa viram a complexidade do problema e não quiseram encará-lo, fazendo simplesmente uma investigação policial, de campo, e não só de documentos, para saber se os ser viços haviam sido feitos.

Os dois se depararam, concretamente, com os advogados da CBMP, dona e gestora – formalmente, por contrato – dos recursos que teriam sido desviados. Desde o início do ano, o procurador-geral Souza tentava obter da companhia os papéis originais das prestações de contas feitas pela agência de publicidade DNA, de Marcos Valério, a respeito dos serviços, seus e de fornecedores contratados para fazer os trabalhos de promoção para a venda dos cartões, mas a CBMP resistia.

No dia 30 de junho de 2006, Barbosa autorizou a busca e apreensão de documentos da CBMP. A empresa apelou à presidência do STF. Mas a então presidente, Ellen Gracie, reafirmou a busca, feita em julho. Houve petições dos advogados da companhia para que fossem devolvidos documentos protegidos pelo princípio da inviolabilidade das relações advogados-clientes. Os documentos que ficaram foram encaminhados ao Instituto Nacional de Criminalística.

Àquela altura, Barbosa tinha amplas condições de entender o problema. Ele poderia ter visto – se é que não viu – o material que nos permitiu construir a tabela desta reportagem, do final de 2006, de um dos maiores escritórios de advocacia do País a serviço da CBMP, que argumentou, a fim de evitar o pagamento de impostos indevidos pela companhia, terem sido todas as ações de incentivo realizadas. E observou, apenas, que algumas podem ter sido realizadas sem promover especificamente os cartões da bandeira Visa, que era o essencial para a CBMP, uma empresa controlada pela Visa Internacional, parte do oligopólio internacional dos cartões de crédito e débito de uso global.

Barbosa e o procurador-geral tiveram toda a condição de entender a estranha forma de funcionamento do Fundo de Incentivo Visanet: a CBMP pagava os serviços de promoção dos cartões por meio da DNA, serviços esses programados pelo BB, sem que existissem contratos entre a CBMP e a DNA, nem entre o BB e a DNA, para operação desses recursos específicos. Nos autos existe um parecer jurídico do BB que considera perfeitamente legal essa engenharia jurídica. Ela foi construída desde 2001 pelo banco estatal e a empresa de cartões multinacional e seus outros sócios. Sobre ela, é óbvio, Pizzolato não teve a menor influência.

Barbosa e Souza não viram nos autos, ou não quiseram ver, também, que as vendas de cartões de bandeira Visa no BB eram atribuição essencial da diretoria de varejo (Direv), sendo que o funcionário que autorizava formalmente as ordens de serviço de promoções dos cartões a serem pagas pela CBMP era indicado pelo diretor da Direv.

No encaminhamento da denúncia aceita pelo STF em agosto de 2007, no entanto, Souza cometeu dois absurdos: 1) garantiu que o desvio de dinheiro do BB havia ocorrido, sem ter feito a prova contrária, muito simples, de verificar os abundantes comprovantes de realização dos serviços de promoção; e 2) disse que o laudo 2828, do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, que examinara a documentação e ao qual ele fizera as perguntas consideradas essenciais para esclarecer o caso, havia afirmado que Pizzolato e seu então chefe, Luiz Gushiken, secretário de Comunicação do governo Lula, eram os principais responsáveis pelo desvio – no entanto, no laudo 2828 os nomes de Gushiken e Pizzolato nem sequer foram citados.

O ministro Barbosa, ao defender a aceitação da denúncia que afinal criou a Ação Penal 470, também evitou todos os problemas estruturais que precisavam ser compreendidos para se contar efetivamente ao plenário do STF a história. Como ele mesmo disse, fez uma historinha. Reorganizou a denúncia do procurador-geral para destacar, em primeiro lugar, duas supostas ações de corrupção de petistas, a de João Paulo Cunha e a de Henrique Pizzolato. Essas historinhas, para a mídia mais conservadora, caíram como o queijo no macarrão. Como disse o ministro Ricardo Lewandowski nos dias da votação da aceitação da denúncia em 2007, e que poderia ter repetido agora: “A imprensa acuou o Supremo. Não ficou suficientemente comprovada a acusação. Todo mundo votou com a faca no pescoço.”

A tabela da CBMP para a Receita Federal

A ex-Visanet, hoje Cielo, diz que tem todos os comprovantes de que os eventos foram feitos.

Pizzolato_Visanet00A.jpgPizzolato_Visanet00B.jpgPizzolato_Visanet00C.jpgLegendas:

* Sem exposição ou menção à marca Ourocard ou Visa

** Lançamento contábil – o número da tabela é precedido, no documento, pelos números 51000

Nihil: Falta o número no documento original

Nota da redação: a soma do valor dos eventos de 2003 e 2004 que, segundo o STF, não teriam sido feitos e cujo valor teria sido desviado é de R$73,8 milhões. A lista de eventos apresentada pela Visanet soma R$74,1 milhões. A diferença pode ser atribuída ao fato de um ou outro evento passar do orçamento de um ano para o outro.

Pagamento suspeito a testemunha-chave deveria causar reviravolta no “mensalão”

15 de novembro de 2012

Helena Sthephanowitz, via Rede Brasil Atual

Em agosto último, o blogueiro Reinaldo Azevedo, da revista Veja, pediu para seus leitores espalharem na internet a história de uma “ex-petista”, que teria perdido o emprego no Banco do Brasil por se negar a atestar campanha publicitária da DNA Propaganda, e estaria passando dificuldades por isso. O texto era tirado de uma “reportagem” da própria revista.

Tratava-se de Danevita Ferreira de Magalhães, ex-gerente do Núcleo de Mídia do BB. Segundo seu depoimento ao Ministério Público no processo do chamado “mensalão”, ela declarou que teria se recusado a assinar documentos atestando a realização de campanhas publicitárias, pois saberia que eram simuladas para desvio de dinheiro; e disse que quem mandava assinar era Henrique Pizzolato, o então diretor de Marketing.

Esse depoimento foi peça-chave da denúncia pelo procurador-geral da República (págs. 162 a 165), e foi citado como prova para condenação dos réus envolvidos no caso da Visanet por diversos ministros do STF.

Acontece que os doutores Roberto Gurgel e Joaquim Barbosa deixaram passar despercebido nos autos um fato que provoca uma reviravolta nesse testemunho, a ponto de perder a credibilidade.

Está nas páginas de 77 a 83 do relatório da Polícia Federal do inquérito 2474-1/140, sobre o inquérito policial 002/2007-FINIDCORIDOF, conduzido pelo delegado PF Zampronha, solicitado pelo ministro Joaquim Barbosa.

Tal relatório rastreou o caminho do dinheiro do Fundo de Incentivo Visanet para a DNA Propaganda, e para onde foi o dinheiro depois disso. Encontrou oito pagamentos da DNA para a empresa Diretorial Planejamento e Representações Ltda., em 2003 e 2004, no total de R$2.297.671,18.

O dono da Diretorial é Domingos Fernando Cavadinha Guimarães Filho, genro do ex-senador Marco Maciel. A empresa é estabelecida em Recife e atuava intermediando anúncios de uma empresa de São Paulo que explorava relógios termômetros instalados nas ruas da capital paulista.

O delegado da PF enxergou nessa intermediação uma espécie de “pedágio” desnecessário. Afinal por que as agências de publicidade que serviam ao Banco do Brasil não negociavam diretamente com a empresa de São Paulo, sem ter que dar a volta passando por Pernambuco?

Mas o mais revelador vem a seguir. Ao quebrar o sigilo bancário da Diretorial, foi encontrada uma transferência de R$25 mil, no dia 10 de março de 2003, para Danevita Ferreira de Magalhães, a testemunha-chave citada acima.

Ou seja, parte do dinheiro que saiu do Fundo Visanet, liberado com a participação de Danevita, acabou caindo na conta dela, após passar pela agência de publicidade, e depois pela empresa do genro do ex-senador pernambucano. Com certeza o depoimento de Danevita usado para fundamentar a Ação Penal 470 fica bastante enfraquecido diante deste fato.

Esse pagamento também desmonta a história contada pela revista Veja. Na “reportagem” da revista, já dizia que Danevita era funcionária naquele cargo do BB desde 1997, ano em que o Banco do Brasil estava sob comando do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), cujo vice-presidente era Marco Maciel (PFL, atual DEM).

Logo, parece erro da revista dizer que ela seria petista. E após conhecer o relatório do delegado Zampronha, que evita pré-condenar alguém, seria recomendável maior apuração sobre os motivos para aquele pagamento de R$25 mil, e sobre o que se passava naquela gerência que ela ocupava, antes de elevar a ex-funcionária à condição de mártir.