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Margem de lucro das montadoras no Brasil é três vezes maior que nos EUA

14 de dezembro de 2012

Montadoras03O “lucro Brasil” das montadoras

Joel Silveira Leite

Os dirigentes das montadoras disseminam há décadas a tese de que a causa do alto preço do carro no Brasil é o imposto. O mantra pegou e é quase senso comum que a carga tributária é que faz o brasileiro pagar o carro mais caro do mundo.

Outro fator que costuma ser citado é o custo Brasil, um conjunto de dificuldades estruturais e burocráticas, destacando-se a falta de qualificação profissional e uma estrutura logística cara, insuficiente e arcaica. As enormes dificuldades que o empresário enfrenta para produzir no Brasil explicam, em parte, o alto preço praticado – não apenas do carro, mas de em qualquer produto.

Mas impostos nem o custo Brasil justificam os US$37.636,00 que o brasileiro para por um Corolla, enquanto o seu colega norte-americano paga US$15.450,00. Na Argentina, país mais próximo tanto geograficamente quanto em relação às dificuldades e problemas, o Corolla também custa mais barato: US$21.658,00.

No Paraguai, o consumidor paga pelo Kia Soul US$18 mil, metade do preço no Brasil. Ambos vêm da Coreia. Não há imposto que justifique tamanha diferença. O Volkswagen Jetta custa R$65 mil no Brasil, menos de R$40 mil no México e R$30 mil nos EUA – a propaganda do carro, aliás, tem como protagonista não um executivo, mas um… universitário sofrido (clique aqui). Há vários outros exemplos. Cito mais um: o Hyundai IX35 é vendido na Argentina por R$56 mil. O consumidor brasileiro paga R$88 mil.

Se o custo Brasil fosse um fardo pesado nas costas do empresariado, seria impraticável a redução da margem operacional. A crise de 2008 revelou, porém, que havia gordura para queimar: os preços despencaram.

O índice AutoInforme/Molicar indicou queda média de preço de 10,1% desde a crise de 2008. Carros de algumas marcas tiveram queda de preço de 20%. Não se tem notícia de que essas empresas tenham entrado em colapso por causa disso.

O Hyundai Azera, que era vendido por R$100 mil, passou a custar R$80 mil após a crise de 2008. Descontos de R$5 mil até R$10 mil foram comuns no auge da crise, revelando a enorme margem com que algumas montadoras trabalham: em 2010 a GM vendeu um lote do Corsa Classic com desconto de 35% para uma locadora paulista, conforme um ex-executivo da própria locadora.

A chegada dos chineses desvendou o mistério. Equipados e baratos, ameaçaram as marcas tradicionais. O QQ, da Chery, chegou recheado de equipamentos, alguns inexistentes mesmo em carros de categoria superior, como airbags, freio ABS, sistema de som e sensor de estacionamento. Preço: R$22.990,00. Mas daria para vender por R$19,9 mil, segundo uma fonte da importadora, não fosse a pressão dos concessionários por uma margem maior.

Em março de 2011, a também chinesa JAC Motors começou a vender no Brasil o J3 por R$37,9 mil. Reação imediata: a Ford reposicionou o Fiesta hatch, passou a vender o carro pelos mesmos R$37,9 mil e instalou nele alguns dos equipamentos que o chinês trazia de série, mas apenas em São Paulo, Rio e Brasília – onde o J3 ameaçava o concorrente.

Mesmo assim, as montadoras instaladas no Brasil se sentiram ameaçadas e, argumentando a defesa do emprego na indústria nacional, pediram socorro ao governo, sendo prontamente atendidas: medida editada em setembro de 2011 impôs super IPI às empresas que não têm fábrica no País. Pela primeira vez, a Anfavea – associação das montadoras –, cujos associados não foram atingidos pelo imposto extra, não se rebelou contra nova carga tributária.

A maioria das importadoras absorveu parte dos impostos adicionais e praticou um aumento inferior ao que seria necessário para manter a margem de lucro, indicando que havia muita gordura.

A grande diferença de preço do carro vendido no Brasil em relação a outros países chamou a atenção do Senado. A pedido da senadora Ana Amélia (PP/RS), a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado convocou audiência pública para “discutir e esclarecer as razões para os altos preços dos veículos automotores no país e discutir medidas para a solução do problema”.

Realizada na semana passada, com a presença de representantes do Ministério da Fazenda, do Ministério do Desenvolvimento, do Ministério Público Federal, do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) e deste jornalista. Lamentada ausência da Anfavea, a audiência revelou (por um estudo apresentado pelo Sindipeças) que a margem de lucro das montadoras instaladas no Brasil é três vezes maior que nos EUA: no Brasil é de 10%, nos EUA é 3% e a média mundial é de 5%.

A discussão deve continuar, enquanto houver tanta gordura pra queimar!

Joel Silveira Leite é jornalista e diretor da agência AutoInforme.

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E se os lucros das montadoras ficassem no Brasil?

GM e Volks lucram, saqueiam e demitem

5 de julho de 2012

Altamiro Borges em seu blog

GM e Volks acabam de abrir programas de “demissões voluntárias”. O objetivo, afirmam, é “promover ajustes” para fazer frente à grave crise econômica internacional. O argumento é desprezível. Na prática, as poderosas multinacionais auferem lucros astronômicos no Brasil, saqueiam os cofres públicos e remetem a grana para suas matrizes em crise – respectivamente, nos EUA e na Alemanha.

Resistência ativa e unidade

O caso mais grave é o da General Motors. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, a empresa pode fechar o setor de Montagem de Veículos Automotores (MVA), demitindo 1.500 operários. Em reunião realizada na sexta-feira, dia 29/6, a direção da GM explicitou que reduzirá ainda mais a produção do setor, que fabrica os modelos Corsa, Classic, Meriva e Zafira.

Filiado à CSP/Conlutas, o sindicato já aprovou um plano de lutas que inclui greve na fábrica, protestos de rua, caravana a Brasília e um ato nacional unitário com as outras centrais. “Os metalúrgicos vão para o enfrentamento contra o fechamento do MVA e as demissões. A partir de agora, vamos intensificar as mobilizações e resistir contra esse grave ataque da GM. Vamos buscar apoio de toda a sociedade, dos parlamentares e dos governos”, afirma Antônio Ferreira, o Macapá, presidente da entidade.

Benesses do governo federal

A resistência dos metalúrgicos da GM e da Volks precisará, de fato, de muita garra e ampla unidade. Nada justifica a demissão de milhares de trabalhadores. Em junho, após o corte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a venda de veículos novos disparou, subindo 23%. No semestre, as vendas das montadoras somaram 1,72 milhão de unidades.

Além da redução do IPI, o governo ainda adotou outras medidas favoráveis às multinacionais para enfrentar a crise econômica. No final de maio, o BNDES diminuiu os juros em sua linha de financiamento para a aquisição de máquinas e equipamentos. Já o Banco Central liberou R$18 bilhões em depósitos compulsórios de bancos para o financiamento de veículos.

Remessa de US$14,6 bilhões ao exterior

Apesar das vendas recordes e das benesses do governo – feitas, lógico, com dinheiro público –, as multinacionais ainda anunciam, no maior cinismo e crueldade, a demissão de trabalhadores. Na prática, elas saqueiam a Nação para remeter bilhões para suas matrizes. Segundo reportagem do Estadão, nos últimos três anos as montadoras enviaram US$14,6 bilhões ao exterior.

“Desde o início da crise financeira internacional, o governo brasileiro abriu mão de R$26 bilhões em impostos para a indústria automotiva… As medidas de estímulo à venda de veículos nos últimos três anos e meio também contribuíram para a remessa de US$14,6 bilhões ao exterior, na forma de lucros e dividendos, para as matrizes que contavam prejuízos com a queda na receita nos Estados Unidos e na Europa. O lucro enviado para fora do País fica próximo do valor que as empresas deixaram de pagar em impostos”, informa o jornalista Iuri Dantas, do Estadão.

O “compromisso social” dos capitalistas

Não dá mais para tolerar esta prática criminosa das multinacionais. Nada justifica “socorrer” empresas que não têm compromisso com a Nação. No mínimo, o governo deveria exigir contrapartidas para qualquer redução de impostos ou concessão de subsídios. Do contrário, ele estará alimentando ladrões – que saqueiam o dinheiro público, além de já explorar os trabalhadores brasileiros.

E o triste é que ainda tem gente que acredita na conversa fiada do “compromisso social” das empresas capitalistas.

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Leonardo Sakamoto: E se os lucros das montadoras ficassem no Brasil?

Leonardo Sakamoto: E se os lucros das montadoras ficassem no Brasil?

5 de julho de 2012

As montadoras utilizam robôs para fazer os carros.

Leonardo Sakamoto em seu blog

Montadoras estão planejando demitir, apesar do aumento de vendas trazido pela redução de IPI. A General Motors e a Volkswagen abriram programas de demissão voluntária, sendo que a GM estuda fechar a linha de montagem de veículos de São José dos Campos (SP) e extinguir 1.500 vagas, segundo o sindicato dos metalúrgicos local. A informação é da matéria publicada na terça-feira, dia 3, pela Folha de S.Paulo, apontando que as empresas estão preocupadas que isso seja euforia passageira.

Outra matéria, do jornal O Estado de S.Paulo, aponta que, desde o início da crise econômica internacional, o governo abriu mão de R$26 bilhões em impostos para indústria automobilística. E, nos últimos três anos, as montadoras enviaram US$14,6 bilhões ao exterior, o que dá cerca de R$28 bilhões em valores de hoje.

Brasileiros e brasileiras, um valor semelhante a nossa renúncia fiscal foi exportada para ajudar a manter as matrizes dessas empresas que não haviam se preparado para lidar com a crise.

O governo não consegue garantir, de fato, que as montadoras aqui instaladas não demitam trabalhadores por conta desses benefícios. Muito menos consegue a autorização delas para que sejam colocadas na mesa outros temas importantes, como um controle mais rígido sobre a cadeia produtiva dessas empresas. Hoje, ao comprar um carro, você não tem como saber se o aço ou o couro que entrou na fabricação do veículo foram obtidos por meio de mão de obra escrava e trabalho infantil ou se beneficiando de desmatamento ilegal. Por quê? Porque essas empresas não rastreiam como deveriam os fornecedores de seus fornecedores, apesar das comprovações de ilegalidades apontadas pelo Ministério Publico Federal e pela sociedade civil.

Quando anunciadas, essas políticas são consideradas a salvação da pátria. Mas a história mostra que as coisas não são tão simples assim. Até porque é exatamente nesses momentos que a indústria aproveita para fazer aquele ajuste tecnológico básico, tornando mais gente desnecessária.

Durante o pico da crise de 2008, a General Motors demitiu 744 trabalhadores de sua fábrica em São José dos Campos sob a justificativa de “diminuição da atividade industrial”. Mesmo após ter recebido apoio dos governos da União e do Estado de São Paulo no sentido de facilitar a compra de seus produtos por consumidores. O setor também é beneficiário de recursos oriundos de fundos públicos, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, ou seja, pertencente aos trabalhadores.

Carpideiras do mercado disseram e escreveram, na época, que o Ministério do Trabalho e Emprego e sindicatos faziam uma chiadeira irracional, pedindo contrapartidas à cessão de linhas de crédito ou corte de impostos. Atestaram que empresas não podem operar esquecendo que estão inseridas em uma economia de mercado, buscando a taxa de lucro média para continuar sendo viável. Em outras palavras, defendiam que não dá para esperar que o capital seja dilapidado da mesma forma que o trabalho em uma crise.

Essa “regra do jogo” me faz lembrar um restaurante self-service. Você passa com a bandeja e escolhe o que quer e o que não quer para o almoço. O que é bom para você, coloca no prato. O que é ruim, fica para a massa se servir depois. Traduzindo: o Estado tem de garantir e ajudar o funcionamento das empresas, mas as empresas não podem sofrer nenhuma forma de intervenção em seu negócio. Um liberalismo de brincadeirinha, de capitalismo de periferia, com um Estado atuante, mas subserviente do poder econômico, em que o (nosso) dinheiro público deve entrar calado para financiar os erros alheios. Privatizam-se lucros – que depois são exportados – e estatizam-se prejuízos.

O governo tem a obrigação sim de exigir contrapartidas de quem vai receber recursos ou benefícios devido à crise econômica – aliás, este é o momento ideal para isso. Quando as empresas estiverem surfando novamente, após este ciclo recessivo mundial passar, vai ser mais difícil colocar cartas na mesa como agora.

Em momentos de crise como esse é que direitos trabalhistas e sociais têm de ser reafirmados, garantidos, universalizados e não o contrário. Pois é nesta hora que a população que sobrevive apenas de seu salário está mais fragilizada. E é em momentos como esse que sabemos quem é socialmente responsável e não aquelas que fazem propagandas na TV com carros cruzando lindas estradas cheias de macacos-prego-do-piercing-amarelo para mostrar que é verde.

Em 2008, li depoimentos de montadoras dizendo que os trabalhadores tinham de entender que esta é uma crise global e muitas de suas sedes estão passando sérias dificuldades, correndo o risco, inclusive de fechar. O que é mais um caso self-service. Lembro um exemplo que pode ser ilustrativo: um dia, questionei a Ford, nos Estados Unidos, sobre o porquê de não atuar de forma mais incisiva para evitar que suas subsidiárias em países como o Brasil estivessem inseridas em cadeias produtivas em que há crimes ambientais ou trabalho escravo. Como resposta, disseram que há independência entre as ações da matriz e das subsidiárias e que as matrizes não podem interferir, apenas pedir que atuem de acordo com a legislação.

Ótimo! Tá resolvido o problema. Pois, elas não vão se incomodar se o Brasil regular o envio de remessas de lucros para o exterior, utilizando os recursos para ajudar a passar a tempestade de forma mais suave por aqui. E não estou falando em reestatizar a nossa renúncia fiscal porque o leite já foi derramado, mas de que as empresas invistam mais por aqui. De uma forma diferente, reorganizando o setor em padrões mais sustentáveis, por exemplo. Seria um bom momento para mudar a matriz de produção em direção a algo com menos impacto social e ambiental (o Estado poderia fazer isso diretamente, mas prefere injetar recursos em atores que professam modelos de desenvolvimento antigos e depois pede calma em encontros como a Rio+20 – vai entender).

Afinal de contas, já que muitas empresas não se incomodam tanto com a qualidade de vida dos trabalhadores em toda a sua cadeia de valor (da produção do carvão ao chão de fábrica), por que se incomodariam com o resultado dos lucros desse trabalho, não é mesmo?