“A democracia brasileira é, cada vez mais, uma democracia do dinheiro”, lamenta o relator Henrique Fontana. Foto: Ramiro Furquim/Sul21.
Samir Oliveira, via Sul 21
No dia 28 de fevereiro, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), confirmou que colocará a votação da reforma política em pauta nos dias 9 de 10 de abril. O peemedebista garantiu que a matéria irá para apreciação do plenário com ou sem consenso.
Debatido há anos no Parlamento, o tema nunca conseguiu sair do papel. A maneira encontrada para destravar a reforma política foi disponibilizá-la de forma fatiada para votação. Assim, os deputados apreciarão ponto a ponto as mudanças, em projetos independentes.
O que será analisado em plenário a partir do dia 9 de abril é o relatório do deputado federal Henrique Fontana (PT/RS), que negociou durante dois anos a composição de um texto que pudesse ter chances de ser aprovado pela maioria dos parlamentares. A discussão ocorreu em uma comissão especial constituída apenas para debater a reforma política.
O relatório de Henrique Fontana se baseia em seis eixos: financiamento público exclusivo de campanha, sistema de votação em lista flexível, fim de coligações em eleições proporcionais, coincidência de todas as eleições em uma única data, simplificação de mecanismos de democracia participativa e alteração das datas de posse nos cargos do Poder Executivo.
Apesar dos avanços, o texto é bastante criticado por alguns parlamentares e por movimentos sociais por não ser mais ousado. O relatório não impõe limites à reeleição de parlamentares, não encurta o mandato de oito anos dos senadores e não modifica substancialmente a regra que divide o tempo de televisão entre as candidaturas majoritárias, por exemplo. Além disso, o sistema de votação proposto não é muito diferente do que está em vigor no País.
“Disputa de interesses é intensa”, diz Henrique Fontana
O deputado Henrique Fontana reconhece que seu relatório poderia incluir mudanças mais profundas no sistema político brasileiro, mas argumenta que construiu o texto possível, diante da atual correlação de forças no Congresso Nacional. “Sei que há questões que não poderei propor neste ano. Algumas mudanças deixaram de ser incluídas não porque eu não concorde com elas. No cálculo de correlação de forças, temos que fazer escolhas. A cada mudança que eu coloco no relatório, perco 30 votos. A reforma política provoca uma das disputas de interesses mais intensas do Parlamento”, justifica.
Apesar das limitações, o petista considera que “a reforma proposta altera profundamente e para melhor a política brasileira”. O principal ponto defendido por Fontana – e o que encontra mais oposição no Congresso – é o financiamento público de campanha.
“A democracia brasileira é, cada vez mais, uma democracia do dinheiro, e, cada vez menos, uma democracia de ideias e projetos. O dinheiro é cada vez mais decisivo no processo eleitoral”, critica.
Henrique Fontana informa que, das 513 campanhas mais caras ao Congresso, 380 conseguiram se eleger. “A capacidade de arrecadar está diretamente ligada ao sucesso de uma eleição. É um sistema excludente”, condena. Para ele, o debate em torno do financiamento público encontra forte oposição em grandes corporações da iniciativa privada.
O deputado afirma que os temas com uma maioria mais sólida para aprovação são as mudanças na participação do eleitor na proposição de projetos, a coincidência de eleições, o fim das coligações proporcionais – esses dois últimos terão que ir à votação sob a forma de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), que necessita de 308 votos para ser aprovada. O restante dos projetos poderá ser aprovado por uma maioria de 250 votos.
Movimento quer protocolar reforma política por meio de iniciativa popular
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) pretende dar início em abril à coleta de assinaturas para protocolar no Congresso Nacional um projeto de reforma política de iniciativa popular. A minuta foi discutida durante dois anos e está sendo redigida por juristas e representantes da sociedade civil desde fevereiro.
Fundador do MCCE e um dos idealizadores e redatores da lei da Ficha Limpa, o juiz da 58º Zona Eleitoral do Maranhão, Márlon Reis, explica que a proposta defende o financiamento público de campanha. O magistrado evita avançar sobre outros temas, já que o projeto ainda está em fase de elaboração.
A intenção do movimento é elaborar uma reforma que possa ir além dos pontos já acordados no Parlamento. “Não nos deixamos pautar pelo Congresso, estamos construindo um projeto muito mais amplo com o objetivo de atacar as verdadeiras mazelas do sistema político brasileiro”, comenta.
O juiz entende que o fim do financiamento privado tornaria o sistema eleitoral mais transparente e menos suscetível à corrupção. “As empresas privadas que doam buscam auferir lucros e vantagens que, muitas vezes, ocorrem sob forma de contratos ilegais e licitações viciadas. É uma forma de pagar com dinheiro público o investimento que bancou a eleição”, critica.
Márlon Reis também defende a redução do custo das campanhas. “As campanhas estão cada vez mais milionárias. Precisam ser modestas e servir apenas para a veiculação de ideias, não para a promoção da imagem pessoal de políticos”, argumenta.
O magistrado acredita que o Congresso não será capaz de aprovar propostas que ataquem os problemas estruturais da democracia brasileira. “Vejo com desconfiança a capacidade do Congresso de aprovar uma reforma efetiva, que não seja meramente cosmética. Os parlamentares têm seus interesses e podem aprovar uma reforma somente para satisfazê-los. Temos que nos preocupar com os interesses da sociedade”, compara.
Ele considera que o fatiamento da votação da reforma política “revela a incapacidade do Congresso de realizar uma profunda mudança no sistema”. Ainda assim, Márlon Reis admite que essa alternativa – e os pontos propostos pelo relatório – é “melhor do que desistir totalmente da reforma”.
“Financiamento depende do sistema”, defende Ibsen Pinheiro
Deputado federal eleito pela primeira vez em 1986 e ex-presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro (PMDB) já foi um dos relatores da reforma política. Tido como conhecedor dos meandros do Congresso Nacional, ele é otimista em relação à votação da reforma política em abril deste ano, mas nota alguns empecilhos.
Ibsen é favorável ao financiamento público de campanha, mas entende que o modo como as campanhas são pagas deveria depender do modelo eleitoral a ser adotado. “O financiamento público precisa se coordenar com a lógica da representação. Não basta proibir financiamento privado e estabelecer um mecanismo de eleição em que o dinheiro seja decisivo”, explica.
Para ele, o financiamento público só seria efetivo em um modelo de lista fechada nas eleições proporcionais, onde os partidos estabelecem, de forma estanque e em uma hierarquia, quem concorrerá. “Se a lista for aberta [como é a proposta de Henrique Fontana], haverá campanha individual para que o candidato possa progredir dentro dela”, critica.
O ex-deputado considera, ainda, que o fim das coligações proporcionais é uma das mudanças mais necessárias no atual sistema. “É uma impropriedade absoluta e uma contradição injustificável que partidos se coliguem para eleições proporcionais. O cidadão não tem nenhuma noção de quem está sendo votado”, condena.
Para Ibsen, o fim dessas alianças melhoraria o nível das representações no Congresso. “Acabaria com o artificialismo de um partido eleger deputado sem disputar eleição. A bancada evangélica tem 70 deputados que se elegeram com votos de todos os partidos”, comenta.
Ibsen Pinheiro acredita que a busca por consenso para aprovação da reforma política é um erro. “Nessa matéria, jamais se produzirá um consenso, pois alguns setores se beneficiam com o atual modelo e não querem modificá-lo. O consenso dá poder de veto à minoria”, justifica. Para ele, é preciso construir maiorias. “É preciso construir maiorias e ter quem banque o projeto, quem organize e lidere essas maiorias”, opina.
O ex-presidente da Câmara diz que os governos não costumam se envolver neste debate, já que o tema divide a base aliada. “O PT defende a lista pré-ordenada, mas é aliado de evangélicos e do PP, que são contra essa proposta. Então o governo nunca terá uma posição única sobre a reforma política. Se o projeto não é do governo, quem vai patrocinar as negociações e os entendimentos?”, questiona.
O peemedebista acredita que essa tarefa caberia “aos grandes partidos”.
“Acho difícil que aconteçam mudanças substanciais”, diz fundador do Congresso em Foco
Diretor e fundador do site de notícias Congresso em Foco, o jornalista Sylvio Costa acredita que a reforma política não irá aprovar “mudanças substanciais” no sistema eleitoral brasileiro. Ele afirma que essa pauta vai para o plenário em um momento conturbado para o Parlamento.
“O Congresso vive uma situação em que o presidente do Senado enfrenta um movimento de repúdio e o presidente da Câmara foi eleito sob suspeita, com uma trajetória complicada. Eles estão querendo votar tudo e mostrar serviço, é uma maneira de mudar a agenda, tirando seus nomes da pauta. Não estão preocupados com a qualidade do debate e com a decisão final”, analisa.
Sylvio Costa avalia, ainda, que a presidente Dilma Rousseff não está tão empenhada na promoção da reforma política. “Lula teve mais interesse do que Dilma no encaminhamento da reforma. Não me parece que ela esteja colocando esse tema como uma de suas prioridades”, compara.
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Principais propostas da reforma política
Samir Oliveira, via Sul21
Confira abaixo as principais propostas contidas no relatório sobre a reforma política que poderá ir a votação nos dias 9 e 10 de abril, na Câmara dos Deputados. Os tópicos explicam, de forma resumida, as propostas do relatório do deputado federal Henrique Fontana (PT/RS).
Financiamento público exclusivo
● O financiamento das campanhas será realizado por meio de um fundo criado com esse fim específico, que receberá aportes de recursos do orçamento da União, admitindo, também, contribuições de pessoas físicas e jurídicas, desde que depositadas diretamente na conta do fundo.
● Campanhas serão financiadas exclusivamente com recursos desse fundo, sendo vedada contribuição de pessoas jurídicas e físicas diretamente a partidos ou candidatos. Também fica vedada a utilização de recursos próprios de candidatos.
● Gastos de campanha serão realizados exclusivamente pelos partidos políticos a partir de contas bancárias abertas especificamente para registro de movimentações financeiras relativas a campanhas eleitorais. Assim, apenas os partidos e os comitês financeiros de campanha prestarão contas à Justiça Eleitoral.
Sistema eleitoral – lista flexível
● Pequena modificação em relação ao modelo vigente. Eleitor continuará a ter a possibilidade de escolher o deputado de sua preferência, votando nominalmente num candidato, ou destinar seu voto ao partido, votando na legenda.
● Proposta não muda cálculo do tamanho das bancadas na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmara de Vereadores: o tamanho dos partidos será proporcional à soma dos votos nominais e dos votos de legenda obtidos na eleição.
● Diferença em relação ao sistema atual é que os partidos registrarão os candidatos de maneira ordenada, ordem essa definida em votações secretas de todos os filiados ou convencionais.
● Ordem dessa lista pode ser completamente transformada pelo voto do eleitor, que ficará com 100% de poder para definir o resultado final da eleição. Se o eleitor preferir votar na legenda, estará reforçando a ordem de candidatos registrada pelo partido. Como no sistema atual, se votar num candidato de sua preferência, o eleitor estará contribuindo para alterar a posição do candidato no resultado final da eleição.
● Como cláusula de incentivo ao aumento da representação feminina nas Casas Legislativas, o projeto estabelece que, nas listas partidárias, deverá haver alternância de gênero a cada três posições da lista.
Coincidência das eleições e mudanças na posse
● Todas as eleições ocorrerão no mesmo momento. População votará de uma só vez para vereador, prefeito, deputado estadual, governador, deputado federal, senador e presidente.
● Coincidência passará a valer a partir de 2022. Para isso, os prefeitos e vereadores eleitos em 2016 terão mandatos de seis anos de duração.
● Prefeitos tomarão posse em 5 de janeiro; governadores, em 10 de janeiro; presidente da República, no dia 15 de janeiro.
Simplificação da democracia participativa
● Número mínimo de assinaturas necessárias para apresentação de projeto de lei de iniciativa popular passará a ser de 500 mil eleitores.
● Será permitido que eleitores apresentem, sob forma de iniciativa popular, projetos de emenda à Constituição (PECs). Nesse caso, serão necessárias 1,5 milhão de assinaturas.
● Em ambos os casos, se a proposta conseguir o dobro de assinaturas necessárias – 1 milhão para projetos de lei e 3 milhões para PECs –, tramitarão em regime de urgência no Congresso.
● Proposta prevê criação de um espaço virtual pela Câmara onde os cidadãos poderão assinar as propostas e PECs de iniciativa popular.
Fim de coligações
● Não serão mais permitidas coligações em eleições proporcionais, ou seja, aquelas destinadas à escolha de vereadores, deputados estaduais e deputados federais.
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