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Cynara Menezes: Jornalista tem complexo de elite

11 de junho de 2013
Peninha01

Te cuida, Peninha, que o sobrinho do patrão é o Donald.

Cynara Menezes em seu blog Socialista Morena

Quando eu trabalhei na Folha de S.Paulo pela primeira vez, em 1989, fui demitida porque confundi fisicamente o irmão de PC Farias, Luiz Romero, com o cientista político Bolívar Lamounier (parece bizarro, mas eles eram de fato parecidos). Na época, fiquei muito triste porque me pareceu uma bobagem diante dos furos que tinha dado em minha passagem-relâmpago por lá, e me senti como a namorada que é chutada no auge da paixão. Depois, refletindo, vi que foi a melhor coisa que poderia ter acontecido a meu ego de fedelha de 22 anos que já estava se achando, em pleno início de carreira, uma das maiores jornalistas do País. Também foi importante por me fazer perder rapidamente a ilusão de ser imprescindível e não apenas um parafuso na engrenagem deste grande negócio que se chama imprensa. Descobri cedo qual era meu lugar.

Quatro anos mais tarde, quando o jornal me convidou para voltar, eu era outra. Meu entusiasmo e a vontade de fazer reportagens interessantes continuavam intactos, mas havia morrido dentro de mim aquela sensação de “pertencer” a alguma empresa que contratasse meus serviços, de ser “querida” na casa ou de integrar uma “família”. Para mim, meu empregador passara a ser apenas meu empregador. E eu, uma mera operária da palavra, que estava por ali fazendo o meu melhor, mas que tinha claro que podia ser descartada a qualquer momento. Até porque, no Brasil, quanto mais você se torna experiente e se destaca numa empresa jornalística, e consequentemente ganha mais, não passa a ser o menos visado na hora dos “cortes”, e sim o oposto.

Esta visão pragmática não me tornou, entretanto, insensível ao descarte de vários contemporâneos que presenciei ao longo dos anos. Cada vez que um deles é chutado, ao contrário, sinto uma revolta ainda maior do que senti naquela primeira (e felizmente única) demissão. É como se fosse comigo. Sinto raiva quando lembro da vez que um amigo, excelente texto, foi dispensado, após 13 anos como repórter, e o primeiro que comentou foi: “Puxa, e olha que nunca dei um ‘erramos’”. Ou do que aconteceu recentemente com um fotógrafo querido, que comemorou pela manhã no Facebook os 20 anos de jornal e, à noite, voltou para publicar em seu mural que havia sido demitido. A empresa certamente nem se deu conta de que o fazia justo naquele dia. Na planilha de custos, aquele profissional impecável se resumia a alguns dígitos numa folha de pagamentos.

A esmagadora maioria dos jornalistas que conheci na minha já longa carreira são, como eu mesma, pé-rapados que ascenderam socialmente em virtude de seu trabalho, apurando, entrevistando, escrevendo, editando, fotografando. Infelizmente, com a ascensão social (somada ao convívio com o poder), os mal nascidos jornalistas se iludem de que passaram a integrar a elite, senão financeira, intelectual do País. É por isso que, como diz Mino Carta, “o Brasil é o único lugar onde jornalista trata patrão como colega”. Boa parte dos jornalistas acha mesmo que os patrões são colegas: colegas de classe. Patrões e jornalistas estariam lado a lado na elite. Não é à toa que tantos não se constrangem em escrever reportagens que representam uma classe a qual não pertencem de origem: se mimetizaram com ela.

É claro que jornalistas ficam abalados e tristes, sim, quando um companheiro de redação é demitido, mas não a ponto de fazer protestos ou de se organizar para questionar as “reestruturações”. E por que é assim? Eu acho que, no fundo, os jornalistas não reagem quando alguém vai parar no olho da rua porque, de certa maneira, se sentem solidários também com o dono, seu “colega”, na fria e corriqueira justificativa de que “era preciso cortar os custos”. Como se a empresa onde batem ponto diariamente fosse um pouco sua, ao mesmo tempo que sabem que serão os próximos. Aquela bendita demissão 24 anos atrás me livrou de sentir esta síndrome de Estocolmo.

Não sei o que vai acontecer, no futuro, com o jornalismo impresso, em crise no mundo – e mais em um país de pouca leitura como o nosso. Não acredito que as demissões que se tornarão cotidianas sejam capazes de provocar na categoria uma consciência de classe que nunca teve e que, a meu ver, nunca terá. A minha esperança é que a mesma internet que tem causado a fuga de leitores e os consecutivos cortes nos jornais proporcione um novo modelo de empresa de comunicação, alguma experiência individual, quiçá conjunta ou até cooperativa, em que possamos ser patrões de nós mesmos, para variar. As crises costumam ser boas para reconstruir. Oxalá nasça daí um jornalismo onde saibamos melhor nosso lugar na sociedade e a quem estamos servindo ao ganhar, com a notícia, o pão de cada dia.

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A revoada dos passalharos

A revoada dos passaralhos

11 de junho de 2013

Passaros_Hitchcock

Demissões em massa nos grandes jornais acontecem de forma sucessiva e tornam os jornalistas mais inseguros, vulneráveis, explorados – e com menor liberdade de expressão.

Camila Rodrigues, Bruno Fonseca, Luiza Bodenmüller e Natalia Viana, via Agência Pública

O maior orgulho de Vera Saavedra Durão foi ver a filha virar jornalista. Isso porque ela própria, Vera, dedicou 35 anos à profissão, com a garra de quem cumpre uma missão. “Você quer que as informações sejam publicadas da melhor forma possível, que aquilo ali venha a público. A gente se entrega”, diz Vera. “Se minha filha seguiu o mesmo caminho é sinal de que ela viu valor nisso”.

A jornalista, hoje com 65 anos, abraçou a reportagem com a mesma paixão que lutou contra a ditadura, como militante da Vanguarda Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), onde foi companheira de Dilma Rousseff. Ficou dois anos na prisão; quando saiu, atuou como repórter de Economia nos então principais jornais do País – O Globo, Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Folha de S.Paulo.

Em 2000, fez parte da equipe que fundou o jornal Valor Econômico, onde ficou por 13 anos. “No início eu cobria muito tudo, o empenho era muito grande para manter o jornal, com furos, afinal ele precisava se firmar. A gente fazia muita coisa”, lembra Vera, que traz dessa época a lembrança de uma úlcera duodenal sangrante, que surgiu quando fazia uma cobertura particularmente tensa para o Valor. “Perdi dois litros de sangue, e eu nem sabia, até que caí desmaiada. Eu me alienei tanto naquela cobertura, me estressei muito”, conta a jornalista, respeitada por sua competência e dedicação pelos colegas e fontes.

No dia 24 de maio passado, Vera foi demitida sumariamente, junto com mais de 20 colegas do Valor, jornal que pertence ao Grupo Folha e às Organizações Globo. “Fui apanhada de surpresa, não podia imaginar que eu podia entrar numa lista negra, para ser cortada de uma maneira tão brusca”. A surpresa foi ainda maior porque acabara de vir à tona que ela fora alvo de espionagem da empresa Vale S.A., segundo denúncia de um ex-gerente de segurança, caso ainda investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Mas Vera, que estava de férias, nem chegou conversar com a direção do jornal sobre a denúncia. “O jornal não teve contato comigo sobre isso. Mandei e-mail para a chefia para conversar sobre isso, mas acabou a gente não conversando porque eu fui demitida”, conta.

“Depois de 13 anos trabalhando para engrandecer o jornal achei que teria direito a um período sabático e não a uma demissão”, diz ela. “Meu raciocínio sobre meus direitos era o da minha classe, que é a dos jornalistas, dos que ‘carregam o piano’, e não dos acionistas, donos do jornal, que querem ver o resultado imediato do nosso trabalho”. Vera lembra de uma fonte empresarial que lhe dissera, em 2005, que merecia um bônus já que por causa de uma série de reportagens suas, o Valor passou a ser lido no Japão. “Eu disse que jornalista não tinha bônus, só ônus”.

Enquanto Vera ainda tenta digerir a demissão na sua casa do Rio de Janeiro, a mil quilômetros dali Flávio José Cardoso, de 51 anos, atende clientes de um belo restaurante à beira-mar na ponta de Sambaqui, em Florianópolis. Há quatro anos, ele escrevia os editoriais do jornal mais lido de Santa Catarina, o Diário Catarinense, com 40 mil exemplares diários. Hoje, é garçom.

A guinada em sua vida começou em 2010, quando mudou o editor-chefe do jornal. Ele deixou de ser editor de Opinião e foi “promovido” a subeditor de Geral, seção que inclui de polícia a comportamento. “Passei a editar também o caderno Mundo, sozinho. Depois de um tempo, me colocaram para escrever matérias especiais todos os dias”. Além das reportagens e da edição, ele passou a fazer a diagramação, montar tabelas, procurar fotos. Se antes trabalhava das 13 às 19 horas, passou a ficar no mínimo 12 horas dentro do jornal, todos os dias – e estava sempre atrasado. “O trabalho que estava fazendo era para ser resolvido por oito ou dez pessoas. Entrava às 13 horas e saía a 1, 2 horas da manhã, todos os dias. Não parava para comer; comia um salgado, enquanto digitava”. Isso quando o editor não falava, em alto e bom som para todo mundo ouvir, coisas como “Eu já te expliquei isso. Uma pessoa com um neurônio entende”.

Flávio aguentou a situação por um ano. “Isso leva o indivíduo a um nível de estresse que ele começa a se achar incompetente para executar as tarefas que faz há 20 anos”. Durante esse período, teve lesões nos tendões das mãos e na córnea, porque usa lentes de contato e ficava muito tempo exposto ao computador e ao ar condicionado. “Quando voltei de licença por causa da lesão, o editor-chefe teve a cara de pau de dizer que eu inventei a doença!”. Entrou com um processo contra o Diário. Hoje, embora seja garçom, colabora com uma revista especializada em economia. E não largou o jornalismo – ainda.

As histórias de Vera e Flávio não são exceção entre os jornalistas brasileiros; o que é raro é algum deles vir a público denunciar essa situação. Acúmulo de tarefas, assédio moral, hora extra não remunerada, insegurança sobre o próprio futuro são males que infestam a indústria das notícias no Brasil. Embora sejam fruto de decisões empresariais que já duram alguns anos, nos últimos meses a situação se agravou com diversos grandes cortes de pessoal – os chamados “passaralhos”.

Uma ave que acaba com tudo

Passaralho é um jargão agressivo para as demissões em massa nos meios de comunicação. Remete a pássaros, revoadas de algo que destrói tudo por onde passa. De março a maio de 2013, eles passaram sobre redações grandes como Estadão, Valor Econômico, Folha de S.Paulo e já sobrevoam a editora Abril, a maior do País, além de atingir a maioria dos jornalistas em redações menores, como Brasil Econômico e Caros Amigos. Isso, somente dentre as empresas sediadas na cidade de São Paulo. No estado inteiro houve demissões no jornal A Tribuna, o maior da região da Baixada Santista, e na Rede Anhanguera de Comunicações (RAC), que domina as regiões ao redor de Campinas, Ribeirão Preto e Piracicaba.

Considerando apenas os jornalistas registrados em carteira e somente na cidade de São Paulo, foram registradas 280 demissões homologadas de janeiro a abril desse ano, 37,9% a mais que no mesmo período de 2012, quando foram registradas 203 homologações por conta de demissões. Ou seja, tudo indica que 2013 será pior que o ano passado, quando mais de 1.230 jornalistas foram demitidos de redações no Brasil. Os motivos, em geral, foram “reestruturações”, que nada mais são que novas formas de organizar o trabalho usando menos pessoas e mais tecnologia.

“É um ponto fora da curva”, diz Paulo Totti, que, com quase 60 anos de jornalismo, também foi vítima do corte no Valor. Totti usa a expressão para explicar que, na indústria do jornalismo, os trabalhadores mais experientes são descartados facilmente e substituído por recém-formados – o oposto do que acontece em outras áreas. “Em nenhum outro ramo da economia se vê atitudes semelhantes. Os administradores têm a preocupação de manter sua mão de obra qualificada”, diz Paulo, que sempre cobriu economia, e com excelência. Em 2006 foi vencedor Prêmio Esso, o mais respeitado do jornalismo brasileiro, com uma série sobre a economia chinesa. Meses antes de ser demitido, havia-se oferecido para fazer oficinas com cada uma das editorias do Valor, para ajudá-las a melhorar a qualidade dos textos. “Há, claro, uma certa surpresa, já que a demissão não decorre de maior ou menor dedicação ao trabalho. Mesmo um jovem fica meio intranquilo quanto a seu futuro. Pior: se o cara desempenhar bem suas funções, ele pode ter um aumento de salário, e esse aumento causa a sua demissão”.

Aonde os donos de jornais querem chegar?

Paulo Totti, que no momento considera a única opção que lhe foi dada pelo jornal – virar colaborador freelancer – compartilha um receio que se espalha nas redações com a mesma rapidez que o voo dos passaralhos. “Temo que isso esvazie o conteúdo do jornal. E esse é o sentimento de todo corpo de gente que integra o setor redação em todos os jornais brasileiros”, explica ele. “Não sabemos bem aonde os donos dos jornais querem chegar. A decisão no Valor, por exemplo, partiu da pressão de pessoas aos que integram o Conselho Administrativo do jornal, representantes dos acionistas. Nenhum deles tem no seu currículo alguma passagem pelo jornalismo”.

Os cortes de pessoal se devem a um investimento milionário em um serviço de informações financeiras em tempo real, o Valor Pro. Esse investimento começou a ser feito há cerca de três anos, quando os funcionários foram avisados que a redação seria unificada. “Fomos avisados de que nos dois anos seguintes ninguém teria aumento salarial. Ao mesmo tempo, todos teriam de escrever para as três plataformas: tempo real, site e impresso”, diz um jornalista que sobreviveu ao último corte no jornal e que prefere não se identificar. Segundo o repórter, o clima da redação está ruim; além do trauma provocado pelas demissões, sobrou excesso de trabalho para todos. “O site, que antes era cuidado por cada editoria, agora é alimentado por pessoas de um ‘mesão’ digital, que não tem muita familiaridade com alguns assuntos. No impresso, a cada dia está uma briga por espaço e o número de páginas está sendo reduzido”.

Também a Folha de S.Paulo anunciou uma reestruturação na última semana, com o fim do caderno “Equilíbrio” e o reagrupamento de outros cadernos em três núcleos de produção. O número de jornalistas demitidos foi de 24. A direção comunicou à ombudsman, Suzana Singer, que “as redações do futuro deverão ser cada vez mais enxutas, assim como o produto impresso”. Entre os demitidos estão nomes do porte de Andreza Matais, ganhadora do Prêmio Esso de jornalismo 2011 pela série que demonstrou o enriquecimento do então ministro da Fazenda, Antônio Palocci. “Aos que acreditam que o jornalismo de qualidade faz bem à democracia resta torcer para que a travessia dê certo”, resumiu Suzana Singer, em artigo na Folha.

A Pública falou com um dos jornalistas cortados do Grupo Folha, da área de cultura, que pediu para não ser identificado. “Ao chegar à redação um dos colegas comentou que haveria corte e, cerca de 20 minutos depois, fui chamado para ser avisado de que seria desligado da empresa. A justificativa? Corte de gastos. Tinham de ter uma meta ‘x’ de gastos, e a minha saída ajudaria a atingir tal meta”.

“Eu tenho pena de quem ficou e de quem está entrando no jornalismo”, diz, com certa serenidade, o repórter fotográfico Lula Marques, premiado jornalista da sucursal de Brasília da Folha de S.Paulo. No dia 1º de abril, ele acordou comemorando o aniversário de 26 anos de jornal. À tarde, foi comunicado que estava demitido. “Me falaram que eu estava ganhando muito, mais que o editor de fotografia de São Paulo, que meu nome estava na lista há dois anos e que não dava mais para me segurar na empresa”. Desde novembro de 2011 – quando a empresa cortou 10% de seus jornalistas –, os cortes, discretos e sem alardes, são constantes na Folha. Tanto que Lula diz que já estava preparado. “Saí com um equilíbrio emocional bom, porque já estava me preparando para isso. Nos últimos dois anos, as pessoas que estavam com o salário lá no alto foram todas embora. Sabia que um dia ia chegar minha vez”.

Tensão na Abril

Era sexta-feira, dia 7, quase no final do expediente, e o clima no prédio da editora Abril S.A., zona oeste de São Paulo, estava pesado por conta dos rumores de um grande corte, previsto desde a morte do presidente do grupo, Roberto Civita, em 26 de maio. “Olha, está muito tenso e é uma tensão diferente. Eu já vivi outras demissões coletivas, mas antes era assim: os diretores das redações estavam plenamente por dentro de quantas pessoas deveriam ser cortadas de cada revista, enquanto os ‘peões’ estavam morrendo de medo. Agora não, ninguém sabe de nada direito, nem os diretores”, disse à Pública uma jornalista, que também pediu não ser identificada por medo de represálias.

Pouco depois, seis executivos foram demitidos, junto ao anúncio de que o grupo passaria por uma “reestruturação”, com agrupamento de unidades de negócios, reduzidas de dez para cinco. O objetivo, segundo a empresa, era a “racionalização dos recursos”. Há boatos de que 11 revistas deixarão de circular – entre elas nomes lendários como Playboy, Capricho e Contigo. É a senha para o passaralho. “Deve acontecer na próxima semana”, diz a mesma jornalista. “Eu acho que, se na semana que vem já anunciarem qual revista vai ser cortada, o clima vai melhorar. Não saber o que vai acontecer que é estranho. A gente faz piada o tempo todo, tipo, estou me matando pra fazer esse editorial de moda e se a revista acabar amanhã?”

“Entre os jornalistas, nesse momento, o clima é de intranquilidade aguda”, diz Paulo Zocchi, diretor jurídico do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e que trabalha na redação da revista Quatro Rodas, da editora Abril. “Tá todo mundo morrendo de medo. Na minha redação, que é de uma faixa etária um pouco mais velha, tá todo mundo falando: ‘Vamos ver se segunda-feira vamos estar aqui’”. A jornada dupla de Paulo – na revista e no sindicato – está ainda mais atribulada desde as últimas demissões. Toda vez que corre um boato de demissão, o sindicato é acionado, e pede uma reunião de emergência na empresa, para negociar.

Foi o que aconteceu em abril, na negociação com O Estado de S.Paulo – de desfecho inesperado. O Estadão anunciara a redução da quantidade de cadernos diários para apenas três, a extinção do caderno Link, sobre tecnologia, e do caderno de Negócios. Ao mesmo tempo, passou a privilegiar as plataformas digitais, com o lançamento do novo aplicativo do Estadão, adaptável a qualquer dispositivo móvel. Segundo conta Paulo Zocchi, na quinta-feira, dia 4 de abril, ele recebeu uma ligação avisando sobre boatos de demissão em massa no Estadão. “Hoje, a redação tem 250 jornalistas. O boato era de que 100 seriam demitidos na segunda ou na terça-feira da semana seguinte”. O sindicato solicitou uma reunião de emergência com a direção do Estadão, mas o jornal não respondeu e começou a demitir já no dia seguinte, sexta-feira. No total, foram 31 demitidos.

“Na sexta-feira, 12 de abril, fizemos uma assembleia na empresa, e desceram 90 pessoas. O objetivo era reverter todas as demissões. Até que uma das trabalhadoras demitidas disse que não queria ser reintegrada”, lembra ele, revelando sua surpresa. No fim da assembleia, em que estavam 14 dos 31 demitidos, nenhum deles queria voltar a trabalhar no Estadão. “As pessoas se sentiram descartadas, afetadas emocionalmente de uma forma tal que elas não queriam voltar”.

Um dos demitidos, repórter com cerca de cinco anos de profissão, não disfarça sua revolta. Segundo ele, os rumores de cortes eram constantes no jornal, espalhando um “clima de terrorismo”: “O jornal esperava que os jornalistas continuassem a manter a quantidade e a qualidade de trabalho com menos pessoas, impossível. Jornalistas acumularam funções e a qualidade, como os leitores puderem observar, caiu”. Ao ser demitido, ele foi procurado por um dos diretores, “para deixar claro que eu não estou sendo demitido pela sua falta de competência, que é uma questão de corte de gastos”, lembra. “Querem que você não se revolte e não sai baixo astral, que saia feliz e tranquilo. Te apoiam, mas dizem: ‘Vai lá’”.

Como a maioria dos jornalistas demitidos, ele prefere não se identificar publicamente. Quase nenhum dos entrevistados, principalmente os mais novos, quiseram se expor. “Sabe como é, o mercado é muito pequeno e eu posso ter dificuldade para conseguir trabalho”, diz um deles.

Do Sul ao Norte do Brasil

Na ilha de Santa Catarina, o nome do passaralho é mais poético: chamam de “barca”, como aquela, dirigida por Caronte, que levava as almas ao inferno, ou Hades, na mitologia grega. A última barca do Diário Catarinense, o maior jornal do estado, aconteceu no dia 21 de março e levou cerca de 20 profissionais da redação. Poucas pessoas souberam. A divulgação mais ruidosa do caso foi um e-mail do jornalista Célio Klein anunciando, aliviado, sua demissão após 25 anos de casa. Nela, ele se diz alegre por ter saído do jornal, mas expressa “profundo pesar pela situação”: “É muito grave e difícil não se ver outra saída que não a de abrir mão do trabalho do qual se gosta e ao qual se dedicou a maior parte da vida”. A carta prossegue: “Em uma empresa de comunicação, questionar, alimento do jornalismo, não é permitido. Em uma empresa de comunicação que tem a educação como bandeira, que implica justamente pensar de forma autônoma, pensar não é permitido. Em uma empresa de comunicação que exalta a democracia, vende a diversidade de opiniões, a participação dos leitores como case de ação, de sucesso, divergir não é permitido”.

Semanas depois, em abril, o jornal A Crítica, no Amazonas – um veículo da RCC (Rede Calderaro de Comunicação), que tem filiadas à RedeTV!, ao SBT e à Record – demitiu aproximadamente 15 pessoas, entre repórteres, editores e fotógrafos do jornal impresso e do site. A repórter especial Elaíze Farias, vencedora do Prêmio Imprensa Embratel 2012, foi uma das cortadas. “A justificativa oficial é de que o jornal acabou com esse cargo”, diz ela. “Não sei quais foram os critérios”.

Com quase 20 anos de experiência, Elaíze dedicou metade deste período a produções de reportagens sobre questões sociais e ambientais da região. Ela lembra de uma das últimas reportagens que fez, sobre um casal de índios matis que estava sendo acusado de tentar cometer infanticídio contra seu filho doente em Manaus – o que foi completamente desmentido por eles. “Para conseguir entrevistar este casal, me desloquei de lancha pelo rio Solimões (uma hora) de Tabatinga até outro município, Benjamin Constant, e dali peguei um táxi-lotação (meia hora), viajando pela estrada até Atalaia do Norte, onde os índios matis estavam. Fiz o retorno de carona, na moto de um indígena, porque não havia mais táxi disponível entre Atalaia e Benjamin, até novamente voltar a Tabatinga. E precisava chegar antes das 5 da tarde, pois as lanchas que fazem a travessia do rio em Benjamin operam até este horário. Ou seja, foi um gasto extra que precisei utilizar. Depois de uma jornada de oito dias, voltei a Manaus. Bom, é assim que se faz jornalismo na Amazônia”.

Para ela a maior preocupação é ter de deixar de realizar reportagens como essa. “Fiquei muito frustrada por, após a minha saída, estes temas terem ficado parados, na minha própria gaveta de pautas. Elas continuam guardadas, para quando eu tiver algum espaço e logística para viabilizar”.

Sobre o silêncio que cerca as demissões, Elaíze diz: “No geral, a notícia das demissões ficaram restritas ao boca a boca e às redes sociais – eu, por exemplo, fiz um comunicado pelo Facebook e por e-mail a meus amigos, companheiros de luta, organizações sociais e fontes”, comenta. “Hoje se fala muito nas crises dos jornais impressos e em sua dificuldade de se adaptar aos novos tempos e às notícias publicadas nos portais de internet. O enigma é: a mídia vai se conseguir se reinventar, se ressignificar, para continuar sobrevivendo? Cabe a todos nós, os que estão dentro e os que estão fora das redações, passar a refletir”, acredita.

Para o pesquisador José Roberto Heloani, da FGV, a esperança é a de que os jornalistas comecem a ter maior consciência e maior interesse nessas questões. “É isso que chamo de luz no fim do túnel. E isso vai fazer com que as pessoas comecem a perceber que a saída não é individual. A saída é coletiva”. Neste ano, em São Paulo, houve pelo menos quatro casos de organização de jornalistas contra demissões: O Vale e Bom Dia, de São José dos Campos; do Jornal da Cidade de Jundiaí; do Brasil Econômico; e a dramática greve da pequena redação de Caros Amigos, que se autodenomina “a primeira à esquerda”, que terminou com demissões e ações na Justiça.

O jornalista Audálio Dantas, que presidiu o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo na época do assassinato de Vladimir Herzog e foi o primeiro presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, tem uma avaliação mais pessimista. “Por mais que se lute, o panorama dos meios de comunicação concentrado em poucas mãos contribui para que as lutas sejam enfraquecidas”, diz Audálio, que considera a regulação da propriedade dos meios de comunicação essencial no debate sobre o futuro da profissão: “Há a necessidade de se regular, porque nós temos esse fenômeno: o sujeito faz o trabalho para o veículo impresso, a empresa faz uma adaptação do mesmo texto e o trabalho de um profissional é aproveitado em quatro meios”.

Nesse cenário, ele diz, não há mais distinção entre bons profissionais e medianos. “Antes os grandes jornais tinham esses cuidados de preservar os bons jornalistas. Hoje, não se distingue os profissionais e vão todos no mesmo diapasão”, observa Dantas, que identifica um ciclo vicioso para a profissão: para aproveitar o rendimento máximo – em termos quantitativos – as empresas mantêm o jornalista dentro da redação, fazendo matérias por telefone e por e-mail, o que resulta em um número maior de matérias, mas de pior qualidade. “A grande vítima, depois do jornalista, é a apuração. A qualidade da informação, que é o que garante historicamente a credibilidade, está prejudicada”.

Para os mais jovens, porém, a sensação é de que as mudanças são ainda mais profundas, como diz o jovem profissional, recém-demitido do Estadão: “A justificativa [de cortes de papel e demissões] é a financeira. Se você acompanha o jornal, deve ter percebido que as editorias enxugaram, algumas sumiram… O jornal inteiro ficou menor. A sensação, dentro e fora da redação, é de que o jornal está apenas adiando seu fim”.

Desrespeito também nas pequenas redações

Tão comum é a precarização do trabalho do jornalista, que ela chega a redações grandes e pequenas, de todos os espectros ideológicos. Em março deste ano, a revista Caros Amigos – na qual trabalharam, no passado, as duas diretoras da Pública – protagonizou uma dramática greve. Os 11 profissionais grevistas abriram uma página no Facebook, que chegou a ter mais de 1.500 apoiadores; mas, ao cabo de três dias, todos foram demitidos pelo atual proprietário Wagner Nabuco. Os funcionários protestavam contra a ameaça de redução de parte da equipe ou redução dos salários. “O dono comunicou que iria fazer um corte de 50% dos custos da redação, o que significaria a demissão de metade da redação”, diz o ex-editor Hamilton Octavio de Souza. Também queriam direitos trabalhistas, como contratação formal no regime CLT. Em entrevista ao portal Sul21, Nabuco mostrou-se indignado com as reivindicações. “Não tem carteira assinada porque ninguém entrou aqui com essa promessa. Foram crescendo devagar na empresa, muitos começaram como estagiários. A folha de pagamento da redação nunca foi tão alta, era maior que a do departamento comercial. Nunca me falaram que eu era um patrão ruim. Que instrumento eu utilizei para mantê-los acorrentados e explorados ao máximo? Por acaso coloquei um 38 na cabeça de alguém?”

Após uma tentativa de negociação, mediada pelo Sindicato dos Jornalistas, os demitidos decidiram entrar com ação judicial contra a empresa. Gabriela Moncau, uma das jornalistas demitidas da Caros Amigos, explica que nove dos 11 profissionais desligados da empresa estão se organizando para mover uma ação reivindicando os direitos mínimos trabalhistas, negados no momento da demissão, o que deve ocorrer em breve.

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O passaralho e o ficaralho

O passaralho e o ficaralho

10 de junho de 2013

Bruno Torturra, via Casca de Besouro

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Um passaralho só não traz o inverno: Estadão, Trip, Folha de S.Paulo, Record. Todas empresas demitindo de uma vez dezenas de jornalistas e profissionais de mídia nas últimas semanas… e ainda aguardamos o profetizado passaralho da Abril que, pelos rumores, vai decepar até mil funcionários e dez títulos da editora. O que, tantos acreditam, vai levar à mendicância os já paupérrimos frilas. “RIP Jornalismo”: é o que tenho lido e escutado dos colegas nas redes e botecos.

Mas vamos apurar essa história direito…

É o jornalismo em si que está moribundo? Ou o modelo comercial de distribuição de informação? É o ofício de catalisar o diálogo público com fatos e opiniões que está com os dias contados? Ou o pensamento analógico, ganancioso, baseado em números de circulação e venda de publicidade? Não estaremos confundindo, reféns da tediosa periodicidade de publicações e salários, jornal com jornalismo?

Para mim, há uma maneira mais interessante, e realista, de entender a revoada dos passaralhos.

Já vi e vivi demissões coletivas. E, aos poucos, deu para notar uma mudança crucial no day after. Antes os deprimidos, os arrasados, os desamparados eram os que perderam a vaga. Eram como se tivessem sido expulsos de uma festa que iria seguir sem eles. Hoje, a tristeza está bem mais do lado de quem ficou. Como se a festa estivesse, e está, do lado de fora.

Semana passada vi a alegria de amigos que perderam juntos o emprego, animados pela fronteira aberta. E vi a depressão, literalmente o choro dos que sobraram na redação, agora acumulando funções, fazendo o trabalho de 3, repetindo uma rotina que não parece ter qualquer propósito senão o precarizado salário. Ficou claro para mim.

As demissões são, na verdade, ficaralhos. Se fode quem fica.

Creiam… Não é necessariamente uma tragédia ter tantos, e bons, jornalistas na rua sem muita chance de voltar a um emprego formal tão cedo. Pode ser, ao contrário, uma excelente notícia. O ambiente perfeito, na ausência de gabinetes e editores, para o jornalismo se reencontrar na rede e nas ruas. Há o potencial de uma idade de ouro da reportagem hoje em dia.

A consolidação das redes sociais, o hiperfluxo de informação, o streaming e a emergência de uma massa conectada pronta para repercutir e compartilhar notícias e histórias, deu ao veículo tradicional um papel cada vez mais dispensável. Mas pede ao repórter, ao fotógrafo, ao designer, ao colunista um papel cada vez mais ativo de oferecer matéria-prima e contexto para o diálogo público. Ao se confundir com um nome no expediente, ao se condicionar ao falso conforto de um salário, o jornalista vira às costas ao seu maior ativo, a autonomia. E acaba no confortável e cínico papel de vítima da “morte do jornalismo”.

Para mim uma coisa é clara: a rede vai matar o jornal para salvar o jornalismo.

Ok. Tudo muito bonito, muito estimulante. “Mas e o dinheiro”, perguntam os colegas, “onde está?”. Uma coisa eu garanto: não está nas redações. O pouco que sobrou não vai dar nem para a janta.

Eis a parte mais arriscada, e inevitável, da missão dos filhos do passaralho. Criar um novo mercado para sustentar suas famílias e reportagens a partir da lógica de compartilhamento. Sem o antes conveniente e inevitável, a agora parasitário e dispensável, publisher.

Tenho certeza que é esse o sentimento, intuitivo ou não, de riscos e possibilidades que está dando essa felicidade súbita aos demitidos.

A esses eu faço o convite:

Semana que vem, terça-feira, dia 11 de junho, vou ajudar a promover junto com o Fora do Eixo e do Existe Amor em SP, uma reunião aberta com profissionais de mídia, desempregados ou a fim de se desempregar, para apresentar um projeto que vem sendo elaborado em fogo brando há mais de um ano. E que agora está no ponto para receber todos os que se animarem com a ideia: Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação).

Um grupo de comunicação amplo e descentralizado, a fim de explorar as possibilidades de cobertura, discussão, repercussão, remuneração e da radical liberdade de expressão que a rede oferece. Streaming, impressos, blogs, fotos, debates públicos sem o fantasma do lucro e do crescimento comercial como condições primordiais para o trabalho. Por enquanto, nosso melhor investimento é entender a frequente e saudável relação inversa entre saldo bancário e propósito.

Quem estiver a fim de conversar por favor me escreva e fique de olho nas minhas redes. Logo divulgo local e horário dessa primeira reunião.

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Nota do autor: A repercussão desse texto tem sido muito maior e mais interessante do que eu poderia esperar. Por isso preciso esclarecer algo sobre uma crítica séria que tenho escutado:

Entendo quem achou que eu estava comemorando as demissões recentes nas redações. Dei brecha para isso em uma ou duas passagens no texto do ficaralho. Lamento.

Nunca foi meu sentimento ou intenção celebrar a demissão de colegas e amigos, nem o saldo vermelho de veículos. Tragédias e perrengues pessoais são sempre motivo para nossa solidariedade, nunca festa. E, cá pra nós, também estou absolutamente quebrado e sinto todo dia os sintomas de medo e pessimismo diante de um mercado falido. Mas um mercado que, por tesão e vocação, eu ainda gostaria de fazer parte.

Por isso insisto nos meus pontos centrais do texto.

1) Tenho visto, e não são casos isolados, pessoas rigorosamente aliviadas com a dispensa das redações. Inseguras, hesitantes… mas sobretudo animadas com a alforria forçada. Na mesma medida que tenho visto um clima depressivo e pesado entre os que sobreviveram aos passaralhos. Isso é um sinal de algo que estava passando longe das análises das recentes demissões.

2) O que estava, sim, celebrando é a possibilidade aberta com tanta gente boa solta por aí. Só entre conhecidos meus desempregados – e a fim de criar algo novo – consigo ver algumas das melhores redações possíveis no país. Isso precisa ser colocado na conta, para o bem dos que foram e dos que ficam.

Aceito e penso seriamente sobre as críticas que fazem à minha versão poliana dos fatos. Mas não consigo, nem quero, me render ao vazio das alternativas que os pessimistas não me apresentam em troca.

Acredito e, de novo, celebro a chance de um novo mercado de mídia ser criado de baixo pra cima. Até porque não vejo outro caminho.

Não vem ao caso para mim se redações repletas de CLTs ou PJs são mais justas ou desejáveis. Se não me rendo ao pessimismo, me rendo ao menos aos fatos: esse mundo da mídia vertical, comercial, cara e que pensa analogicamente até em plataformas digitais, não está parando de pé.

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Passaralho: Editora Abril demite diretores de núcleo e até dez títulos devem ser fechados

Passaralho: Editora Abril demite diretores de núcleo e até dez títulos devem ser fechados

7 de junho de 2013

Editora_Abril_Quebrada

Com informações do Portal Imprensa

Após semanas de boatos e informações prevendo uma demissão em massa no Grupo Abril, a empresa iniciou, na tarde de sexta-feira, dia 7, um processo de reestruturação que envolve desligamentos e fechamento de títulos de pré-falência.

Segundo Imprensa apurou, os cortes começaram pelos diretores de núcleo que passaram a ser chamados por volta das 16 horas. Entre os demitidos “estariam” Cláudio Ferreira, diretor superintendente; Brenda Fucuta, diretora superintendente da Unidade de Negócios Segmentada; Kaike Nanne, diretor do Núcleo de Femininas; Alfredo Ogawa, diretor de serviços editoriais; e Márcia Neder, diretora do Núcleo de Saúde, Beleza e Bem-estar.

Está prevista para a próxima semana a divulgação de quais revistas serão descontinuadas e o quanto esses cancelamentos afetarão o quadro de funcionários. Fala-se na redução de até mil vagas.

Imprensa contatou a assessoria de imprensa do Grupo Abril e aguarda pronunciamento oficial da empresa sobre os cortes. A reestruturação da companhia acontece dois meses depois do anúncio da divulgação de receita líquida de R$2,98 bilhões, alcançados em 2012. Já a receita publicitária da empresa foi de R$1,03 bilhão no período.

Giancarlo Civita, que à época da divulgação dos resultados estava no cargo de vice-presidente do Conselho de Administração da companhia, destacou que “mesmo em ano de cenário econômico complicado [???] mantivemos firme a missão de difundir cultura, educação e entretenimento”.

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7 de junho de 2013

Danuza_Leao07_Nelson_Motta

Via Brasil 247

As torres de papel da mídia tradicional estão caindo. Uma a uma. A informação livre em circulação pela internet, mídia que todos os números e pesquisas apontam como a de maior e mais rápida ascensão entre o público brasileiro, fustiga os alicerces nada sólidos daquela que já foi chamada “grande imprensa”. Os custos de operação, as dificuldades logísticas e a falta de visão de presente e futuro dos líderes de negócios dos jornais e revistas – obnubilada na fixação pelo passado – formam o conjunto responsável pela debacle. Um processo acelerado pela miopia ideológica da famílias detentoras aplicada às linhas editoriais de cada veículo, todas elas convergentes a um conservadorismo pulverizado em praticamente todas as seções jornalísticas – Política, Economia, Cidades, Esportes etc. Um atraso que quebra a sincronia das rotativas com a visão de mundo mais ampla e plural do leitor atual. Um fracasso contratado.

A demissão da colunista de elite Danuza Leão, da Folha, revelada na quinta-feira, dia 6, é emblemática da situação de crise estrutural da mídia de papel. Em seus livros, Danuza sempre se apresentou como uma socialite cheia de bons conselhos a dar, mas, pouco a pouco, em seu espaço no diário da família Frias, foi empunhando a pá ideológica que cavuca o fosso sempre profundo que separa ricos de pobres, emergentes de quatrocentões. Foi perdendo, a cada golpe, atratividade de leitura, acumulando adversários entre os leitores, diminuindo, assim, pelas opiniões isoladas do resto do mundo, sua razão de estar ali, tratada a pão de ló por 12 anos. Não precisava, neste sentido, a colunista ter troçado dos leitores, reclamando da democratização das viagens pelo exterior, de modo a lamentavelmente ser possível encontrar o porteiro de seu próprio prédio em lazer em Paris (aqui)!

Descolamento do público

Danuza, no entanto, não é a única a padecer neste momento. Entre jornalistas, comenta-se que ela apenas entrou no corte de cerca de 40 profissionais promovido pela Folha ao longo desta semana. Um “passaralho”, como se diz na categoria profissional, que vai baixando aos poucos, já há alguns meses, na redação do concorrente Estadão. Ali, um famoso colunista que rodou foi o crítico musical Nelson Motta. O mesmo fenômeno de descolamento em relação ao público ocorreu com ele.

Ao longo de sua história de quase 50 anos em torno da música e do entretenimento, Nelsinho, como é chamado, construiu uma imagem de simpatia. Bastou, porém, ter seu próprio espaço emoldurado num jornal conservador, para se deixar contaminar pelo entorno. Ao comentar os posts de leitores de 247, onde a expressão é livre e aberta, de modo a que cada posição seja conhecida e, nessa medida, respeitada e discutida, Nelsinho registrou que só ouvia “relinchos”. Foi escorraçado nas mídias sociais (aqui). Sem escalas, trocou uma posição de queridinho por tantos para a de ridicularizado por muitos mais. Dançou.

Hora da Abril

Na maior editora de revistas da América Latina, a situação promete ser ainda mais dramática. Reconhecia-se entre a diretoria, meses antes da morte do presidente Roberto Civita, a necessidade de promover mudanças internas que produzissem uma economia de até R$100 milhões anuais em custos. Civita, ciente da imagem de superioridade que a Abril sempre prezou, barrou até o final as propostas de profundos cortes de pessoal que pousaram em sua mesa. Agora, porém, sob a direção de seu filho Giancarlo, o prognóstico entre os profissionais da empresa é que se inicie uma verdadeira “Noite de São Bartolomeu”, na qual até 10% dos mais de 9 mil funcionários da organização poderão ser degolados. Com 52 revistas em seu portfólio atual, habitando um prédio com mordomias como piscina que lhe custa estimados US$1 milhão/mês, a Abril só encontra lucro em uma ou outra operação, jamais em todas. É provável, assim, que títulos desapareçam. No carro-chefe Veja, cuja redação quintuplicou de tamanho nos últimos 15 anos, sem que o mesmo acréscimo tivesse se dado em seu conteúdo jornalístico, ao contrário – há cada vez menos notícia, cada vez mais editorialização –, as aparências devem ser mantidas. Isso, entretanto, ainda é incerto.

Na mídia especializada, como o jornal Valor Econômico, a crise estrutural também já se achega. Produzir a partir do zero, todos os dias, redigir, editar, diagramar, imprimir e distribuir um jornal custa muito caro, até mesmo para um veículo que, na prática, detém o monopólio da publicidade legal no País. Quando a coluna do lucro começa a ter números encolhidos, a alternativa empresarial é, salvo raríssimas exceções, enxugar a folha de pagamentos. É o que está acontecendo lá, onde vagas estão sendo congeladas e vínculos empregatícios formais vão sendo substituídos por mão de obra sazonal.

Barbeiragens empresariais se somam ao grave momento da mídia tradicional. Na Record que tirava quadros da Globo a preço de ouro e bateu a emissora dos Marinho na cara disputa pelas Olimpíadas de Londres, a conta chegou na forma de 400 demissões apenas esta semana.

Internet quebra recordes

Enquanto isso, a audiência na internet quebra recordes dia a dia, provocando uma saudável disseminação de informações por meio de jornais, revistas, tevês e blogs especialmente criados para este veículo de alta velocidade, farta concorrência e vasto acesso. Cria-se aqui um ambiente de briga de mãos limpas, honesta, onde os “sem rotativa” e os “sem antena” passam a ter iguais condições de disputar o interesse do leitor, a atenção das fontes, o respeito do mercado publicitário e, sobretudo, adquirem influência no circuito que nasce com bases populares e alcança os formadores de opinião.

Os tempos estão mudando. A mídia tradicional descobriu, na última hora, que o passado não mais é capaz de corrigir seus excessos corporativos, erros gerenciais e choques com uma nova e numerosa classe de leitores. Pagam pelo desastre comercial provocado pela soberba os profissionais que ajudaram a construir cada uma dessas máquinas. É o capitalismo em estado bruto mostrando sua velha e vincada face assustadora.

GM e Volks lucram, saqueiam e demitem

5 de julho de 2012

Altamiro Borges em seu blog

GM e Volks acabam de abrir programas de “demissões voluntárias”. O objetivo, afirmam, é “promover ajustes” para fazer frente à grave crise econômica internacional. O argumento é desprezível. Na prática, as poderosas multinacionais auferem lucros astronômicos no Brasil, saqueiam os cofres públicos e remetem a grana para suas matrizes em crise – respectivamente, nos EUA e na Alemanha.

Resistência ativa e unidade

O caso mais grave é o da General Motors. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, a empresa pode fechar o setor de Montagem de Veículos Automotores (MVA), demitindo 1.500 operários. Em reunião realizada na sexta-feira, dia 29/6, a direção da GM explicitou que reduzirá ainda mais a produção do setor, que fabrica os modelos Corsa, Classic, Meriva e Zafira.

Filiado à CSP/Conlutas, o sindicato já aprovou um plano de lutas que inclui greve na fábrica, protestos de rua, caravana a Brasília e um ato nacional unitário com as outras centrais. “Os metalúrgicos vão para o enfrentamento contra o fechamento do MVA e as demissões. A partir de agora, vamos intensificar as mobilizações e resistir contra esse grave ataque da GM. Vamos buscar apoio de toda a sociedade, dos parlamentares e dos governos”, afirma Antônio Ferreira, o Macapá, presidente da entidade.

Benesses do governo federal

A resistência dos metalúrgicos da GM e da Volks precisará, de fato, de muita garra e ampla unidade. Nada justifica a demissão de milhares de trabalhadores. Em junho, após o corte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a venda de veículos novos disparou, subindo 23%. No semestre, as vendas das montadoras somaram 1,72 milhão de unidades.

Além da redução do IPI, o governo ainda adotou outras medidas favoráveis às multinacionais para enfrentar a crise econômica. No final de maio, o BNDES diminuiu os juros em sua linha de financiamento para a aquisição de máquinas e equipamentos. Já o Banco Central liberou R$18 bilhões em depósitos compulsórios de bancos para o financiamento de veículos.

Remessa de US$14,6 bilhões ao exterior

Apesar das vendas recordes e das benesses do governo – feitas, lógico, com dinheiro público –, as multinacionais ainda anunciam, no maior cinismo e crueldade, a demissão de trabalhadores. Na prática, elas saqueiam a Nação para remeter bilhões para suas matrizes. Segundo reportagem do Estadão, nos últimos três anos as montadoras enviaram US$14,6 bilhões ao exterior.

“Desde o início da crise financeira internacional, o governo brasileiro abriu mão de R$26 bilhões em impostos para a indústria automotiva… As medidas de estímulo à venda de veículos nos últimos três anos e meio também contribuíram para a remessa de US$14,6 bilhões ao exterior, na forma de lucros e dividendos, para as matrizes que contavam prejuízos com a queda na receita nos Estados Unidos e na Europa. O lucro enviado para fora do País fica próximo do valor que as empresas deixaram de pagar em impostos”, informa o jornalista Iuri Dantas, do Estadão.

O “compromisso social” dos capitalistas

Não dá mais para tolerar esta prática criminosa das multinacionais. Nada justifica “socorrer” empresas que não têm compromisso com a Nação. No mínimo, o governo deveria exigir contrapartidas para qualquer redução de impostos ou concessão de subsídios. Do contrário, ele estará alimentando ladrões – que saqueiam o dinheiro público, além de já explorar os trabalhadores brasileiros.

E o triste é que ainda tem gente que acredita na conversa fiada do “compromisso social” das empresas capitalistas.

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