Luis Nassif em seu Advivo
Há uma frase fundamental de Abraham Lincoln: “Nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou”.
Vale para o Brasil de hoje, para a política e para a economia.
Democracia é o ambiente mais favorável às políticas de inclusão, ao acesso dos diversos grupos aos benefícios da cidadania. São processos lentos, porém irreversíveis. E foi assim com o Brasil, depois de um século 20 amplamente dominado por regimes autoritários ou modelos políticos anacrônicos e excludentes.
A transição custou caro ao País. Perdeu-se o rumo nos anos de 1980, a economia foi vítima de uma inflação renitente, nos anos de 1990 a carência de informações permitiu uma gigantesca transferência de recursos da economia real e das políticas sociais para juros.
Mas, aos trancos e barrancos, foi-se firmando o rumo para a estabilidade política e para a consolidação de novos valores democráticos. A política brasileira caminha para se encontrar no centro.
No plano das eleições presidenciais, por exemplo, o jogo encaminha-se para três personagens forjados na democracia: Dilma Rousseff, pleiteando a reeleição; Aécio Neves, como candidato do PSDB; e Eduardo Campos, como candidato do PSB.
Dos três, o único a radicalizar o discurso tem sido Aécio, muito mais por pressão da mídia do eixo Rio–São Paulo – e dos maus conselhos de FHC – do que por vocação própria. Quando cair em si e voltar a ser Aécio, poderá aspirar a recuperar o espaço perdido para Eduardo Campos.
Os três candidatos empunham bandeiras de gestão e praticam uma política de alianças e coalizão partidária. O candidato que representava o obscurantismo mais atroz – José Serra – já faz parte de um passado que, espera-se, não volte mais.
Seja no estado de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, Sergipe e na União, governantes de todos os partidos já aderem a um conjunto de novos valores políticos altamente democráticos:
1. O primado da gestão para controle dos atos de Estado. Esse modelo será aprofundado com a Lei da Transparência.
2. Políticas sociais inclusivas. Recorde-se que, no choque de gestão de Minas, a ponta mais vulnerável era a questão social. O mesmo ocorria em São Paulo. A consagração de políticas como o Bolsa Família mostrou que o atendimento das demandas dos mais pobres é ponto central de legitimação das políticas públicas.
3. As parcerias Eduardo Campos–Lula, em Pernambuco, Anastasia–Dilma, em Minas, Alckmin–Haddad–Dilma, em São Paulo, enterram o clima de ódio que marcou a política brasileira pós-redemocratização, polarizada entre o PSDB e o PT paulistas, os dois principais agentes da política nacional.
4. Cooperação federativa. Hoje em dia há uma boa estruturação de associações de secretários estaduais das diversas áreas, associação de municípios, conferências nacionais, permitindo troca de experiências e aprofundamento do modelo federativo.
Anos atrás, o PT era conhecido por sua intransigência, incapacidade de montar alianças ou abrir mão de poder nos locais em que governava. Na presidência, Lula – e, agora, Dilma – montou um governo mais amplo do que o partido, consolidando um espaço social-democrata que ficou vago quando FHC afastou o partido das ruas.
No PSDB, governantes totalmente infensos a qualquer política de alianças e de distribuição de poder, ouvindo a sociedade civil – como Geraldo Alckmin –, começam a rever posição.
A nova mídia – 1
Ponto central dessas mudanças é o crescimento da internet e dos diversos polos de irradiação de opinião. A democracia se acelera quando os diversos grupos de interesse têm acesso aos mesmos meios de disseminação de suas bandeiras. No pós-redemocratização, o jogo político foi dominado pela presença avassaladora das mídias paulista e carioca pautando as políticas públicas e definindo um conjunto restrito de atores.
A nova mídia – 2
Nesse jogo, apenas o mercado financeiro tinha voz permanente. Nem industriais, nem ruralistas, muito menos movimentos sociais, estados fora do eixo, tinham voz. Temas centrais de modernização – como inovação, gestão, políticas de segurança – passaram ao largo das grandes discussões midiáticas. E criaram-se imagens totalmente dissociadas da realidade, como a de um José Serra gestor competente.
A nova mídia – 3
A internet passa a ser a mesma plataforma por onda transitam tanto as informações dos grandes grupos como dos blogs mais distantes. Mas um bom argumento tem condições de se espalhar por meio de redes sociais, permitindo o surgimento de novos veículos fazendo o contraponto. Muitos se assustam com o caos atual da internet, com milhares de informações circulando, grupos se digladiando.
A nova mídia – 4
Os cientistas sociais sustentam que o excesso de manifestações políticas, longe de prenunciar o caos, na verdade amplia a democracia, ao permitir um debate mais rico e com mais personagens. O mesmo acontecerá com a internet. A grande quantidade de informações permite o aparecimento de novos veículos, cujo diferencial será o de agregar as informações existentes e fomentar a participação dos leitores.
A nova mídia – 5
Hoje em dia, um fato só se torna notícia depois que um jornalista entrevista um personagem e escreve a seu modo. Nesse modelo de produção, o jornal (e o jornalista) são não apenas os intermediários, mas os donos da informação. Eles podem selecionar quais informações dar, quais as que jogará fora, quais aqueles que irá valorizar. No novo tempo, as informações serão construídas colaborativamente.
A nova mídia – 6
Grupos especializados montarão suas redes, para discussões amplas; governos, empresas, ONGs, associações, se prepararão para gerar suas próprias notícias. Não haverá mais a necessidade de se ouvir uma fonte e colocar uma declaração em aspas – muitas vezes fora do contexto – para levantar a opinião de uma empresa sobre determinado tema. A posição estará em notícias publicadas em seus próprios sites.
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A chegada dos novos tempos – 2
Luis Nassif
Ontem apresentei o que julgo ser o cenário provável para os próximos tempos [texto acima]: o amadurecimento político brasileiro, a convergência para o centro, a inclusão gradativa da população aos bens da cidadania. Alguns leitores julgaram a visão muito panglossiana.
De fato, busquei traçar o cenário otimista para o País, as grandes linhas que – acredito eu – conduzirão a política brasileira no longo prazo. Não se trata de uma linha reta, mas de um caminho sujeito a muitos percalços, a muitos assomos de radicalismo, mas conduzindo inexoravelmente a um aprofundamento da democracia brasileira.
Vamos nos estender um pouco mais sobre o tema.
Há dois tempos na democracia: as eleições e o período entre eleições, aquele no qual os poderes efetivos se manifestam. Apesar de ser o regime que propugna, por excelência, a igualdade de oportunidades, historicamente o exercício do poder democrático sempre foi concentrado nos grandes acordos políticos, com grupos econômicos.
O modelo democrático ocidental fundou-se na relativa independência entre três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário –, no sistema de freios e contrapesos (isto é, cada poder ajudando a delimitar os demais poderes), teoricamente fiscalizados pela opinião pública, através dos meios de comunicação.
Nos primórdios da democracia, o jornal impresso era o grande veículo de expressão da opinião pública. Com o tempo, passou a representar interesses de partidos ou grupos políticos e econômicos. Depois, os jornais tornaram-se empresas consolidadas, com interesses próprios.
A não ser nos primórdios – no caso brasileiro, na campanha da Abolição e da República –, a imprensa hegemônica (eixo Rio–São Paulo) sofreu da mesma estratificação de conceitos que imobilizava os demais poderes.
Por exemplo, os interesses particulares de Rui Barbosa, primeiro ministro da Fazenda da República, quebraram o País, gerando uma dívida externa imensa. Os movimentos de capitais impediam a industrialização, devido à enorme volatilidade que imprimiam ao câmbio. O bom senso recomendaria controle estrito dos capitais, renegociação da dívida.
No entanto, antes de assumir a Presidência, Campos Salles excursionou pela Europa para negociar com os credores, levando jornalistas a tiracolo. Eles se incumbiam de disseminar os elogios com que a Casa Rothschild e outros credores saudavam a disposição brasileira de renegociar a dívida com o mínimo de perdas para os credores.
Para um país provinciano, mal saído das fraldas, elogios de grandes banqueiros internacionais influenciavam toda a discussão pública. Mesmo com elevadíssimo grau de analfabetismo, jornais de baixa tiragem – no Rio e em São Paulo – pautavam a discussão pública e apresentavam as receitas a serem seguidas.
O novo quase nunca era encampado pelo establishment midiático. Não aceitaram Villa-Lobos, a Semana de Arte Moderna, as pinturas modernistas nem a ascensão da nova classe média urbana, os imigrantes e filhos de imigrantes que vinham inocular a sociedade brasileira com valores do trabalho – tão mal apreciados naquele início de formação do País.
Foram o aparecimento do rádio e a disseminação do disco que abriram espaço para a manifestação e afirmação da nova cultura urbana, com os poetas populares, músicos, cantores que, ainda nos anos de 1920, ajudaram a formar a identidade nacional.
Porta de entrada – 1
Novas classes surgiam. Mas a afirmação política, social e cultural dos novos incluídos depende fundamentalmente do acesso aos meios de informação, não apenas como consumidores de notícias, mas como protagonistas. É a exposição pública que confere protagonismo político dos novos atores. O rádio permitiu a disseminação dos novos tipos populares, assim como a televisão. Mas sempre como o pitoresco, o curioso.
Porta de entrada – 2
O movimento político civilizatório consiste em incorporar gradativamente todos os setores da população e todas as regiões do País. Sem a mediação da política, dos partidos políticos, instaura-se a selvageria. Rixas de grupos terminam em bala e busca de direitos em agitação. Com a redemocratização, especialmente com a excepcional Constituição de 1988, o País foi jogado na modernidade dos direitos civis.
Porta de entrada – 3
Embora consagrado na Constituição, direitos, formas de expressão e manifestação (como os conselhos municipais e as conferências nacionais) ficaram muito tempo na geladeira, justamente por não entrar na pauta da mídia. Tratava-se toda manifestação popular como agitação, em vez de interpretar como vestibular para o grupo, no momento seguinte, ganhar voz e inserir-se no jogo democrático. Tratava-se o brasileiro não incluído ou como agitador ou como dependente.
Novos tempos – 1
Até então, quem quisesse se manifestar fora dos meios hegemônicos de comunicações, tinha de se valer do mimeógrafo, da pichação de muros ou de jornalecos distribuídos pessoa a pessoa. Criava-se, então, um enorme vácuo não apenas de cidadania mas de informação, já que era ignorado todo aquele imenso País que crescia à sombra do País formal. Boas experiências não eram compartilhadas, manifestações culturais ignoradas.
Novos tempos – 2
Com a internet, todos os agentes passam a compartilhar a mesma plataforma tecnológica. Agora é possível a todo o País saber que a melhor música popular brasileira se faz em Minas, que Pernambuco é um manancial inesgotável de cultura popular, que existe uma geração riquíssima de jovens instrumentistas. É possível saber das experiências administrativas bem-sucedidas, dos problemas econômicos regionais.
Novos tempos – 3
Em um primeiro momento, os novos tempos assustam. Há um volume imenso de informações disponíveis, sem a mão organizadora da imprensa tradicional – que entregava tudo mastigado para seu leitor, desde as notícias selecionadas, até o enfoque único, pasteurizado. Ou do partido político tradicional, que pretendia representar o eleitor em todos os temas. Tem-se um novo tempo, uma nova liberdade. E um belo processo de construção pela frente.
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