A prisão de lideranças petistas, cercada de ilegalidade e manipulação, não marca apenas um divisor no partido. Ela coincide com uma transição de ciclo econômico.
Saul Leblon, via Carta Maior
O conservadorismo brasileiro construiu uma narrativa e a cercou de um cão de guarda. Era forçoso que tivesse a pegada agressiva das mandíbulas que travam e não soltam para dar conta das cores extremadas do enredo. O intento foi bem-sucedido mas o epílogo, inconcluso, está longe de entregar tudo o que prometeu.
Joaquim Barbosa foi o homem certo, no lugar certo, na hora certa quando se tratou de tanger a AP 470 na direção das manchetes que a conceberam. O que se concebeu, a partir de um crime eleitoral de caixa 2, foi consumar aquilo que as urnas sonegavam: aleijar moralmente o campo progressista brasileiro e sepultar algumas de suas principais lideranças.
Na verdade, o intercurso entre campanha política e financiamento privado já havia punido o êxito progressista em seus próprios termos. Subtraindo-lhe práticas, projetos e um horizonte ideológico, de cuja regeneração depende agora o seu futuro e a capacidade de liderar o passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.
A prisão de lideranças petistas, cercada da ilegalidade e da manipulação sabidas, não marca apenas um divisor no partido. Ela coincide com uma transição de ciclo econômico mundial que impõe um novo repertório de escolhas estratégicas ao País e ao PT.
Os limites assimilados na chegada ao poder talvez não sejam mais suficientes para se manter à frente dele nessa travessia. Em postagem em seu blog, antes da prisão, o ex-ministro José Dirceu resumiu o paradoxo ao criticar aqueles que hoje – a exemplo do que se fez até 2008 – endossam a panaceia ortodoxa do choque de juros e de cortes orçamentários.
“Para fazer isso não precisam de nós”, advertiu o ex-chefe da Casa Civil de Lula.
Quem – e o quê – ditará a agenda brasileira no pós-julgamento da AP 470 não é uma inquietação exclusiva do lado que ficou no banco dos réus. A emissão conservadora sabe que saturou um capítulo da disputa com a prisão algo decepcionante dos alvos mais graúdos.
Parte do conservadorismo, porém, fica com água na boca. E sonha alto quando vê Joaquim Barbosa ladrar como se a teoria do domínio do fato, agora, significasse um dote imanente para atropelar réus, juízes e cardiopatas com a mesma truculência biliosa exibida durante o julgamento. Delirantes enxergam um Carlos Lacerda negro nos palanques de 2014.
Finalmente, o elo perdido, a ponte capaz de suprir o vazio de carisma à direita e de injetar paixão ao discurso antipetista: o barbosismo. O engano conservador pode custar mais caro ao País do que custaria ao PT ter o algoz como rival.
Joaquim Barbosa tem de Lacerda apenas uma rudimentar mimetização de incontinência colérica. Tribuno privilegiado, o original catalisou a oposição a Vargas. Ainda assim, o talento não foi suficiente para evitar os desdobramentos que se seguiram ao suicídio de 1954.
Os desdobramentos foram de tal ordem que adiaram por uma década o golpe esmagado por Getulio com um único tiro. É verdade que Lacerda, a exemplo de Barbosa hoje, foi também uma construção midiática. Ancorado nessa alicerce, construiu um carisma que insuflou a classe média contra a corrupção, os sindicatos, os inimigos do capital estrangeiro e o desgoverno populista.
Contra Vargas, sua voz ecoava simultaneamente na Rádio Globo, dos Marinhos e na Mayrink Veiga; a presença inflamada do udenista sacudia também a audiência da TV Tupi, de Assis Chateaubriant, a TV Rio e a TV Record, da família Machado de Carvalho. Dispunha ainda do jornal Tribuna da Imprensa, criado em 1949, com o dinheiro do antigetulismo local e estrangeiro.
A voz de Lacerda era o que hoje é o Jornal Nacional, da Globo: a narrativa da direita endereçada a todo o Brasil. Por trás da retórica vulcânica, todavia, existia um substrato de aparente pertinência que sustentava o belicismo das suas inserções.
Ao confronto internacional marcado pela consolidação comunista na China e a construção do Muro de Berlim, superpunha-se a emergência da Revolução Cubana.
Seja pela maior proximidade, seja pelos laços culturais, as transformações em Cuba granjeariam enorme receptividade na luta latino-americana contra o subdesenvolvimento e o apetite leonino do capital estrangeiro.
Hoje, ao contrário, a exacerbação conservadora só se sustenta pela instabilidade que o colapso do seu próprio ideário –ainda sem resposta à altura – acarreta urbi et orbi. E esse é o ponto fundamental da disputa no pós-AP 470.
Colérico-dependente, Joaquim Barbosa está muito distante das credenciais para se apresentar como a personificação do salvador da pátria, diante dos desafios que se avizinham. O maneirismo é a única relação que existe entre o barbosismo e o lacerdismo. Ou o janismo.
Maneirismo é a simulação afetada do original. Quanto mais se esmera em exacerbar as referências do que não é, maior o artificialismo que exala. Mas isso só ficará definitivamente claro se o foco do debate for deslocado a partir de agora para o que é principal – e o que é principal requer do campo progressista algo mais do que a busca inercial do voto em 2014.
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