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O Brasil não vai acabar amanhã

27 de janeiro de 2014

Susto03_Brasil_Acaba

Saul Leblon, via Carta Maior

Foi preciso que o presidente de um dos maiores bancos brasileiros viajasse 8.940 quilômetros para fora do país, um estirão aéreo de 11 horas até Genebra, na Suíça, para encontrar um jornalista, o competente Assis Moreira, correspondente do Valor Econômico, disposto a ouvir e reportar uma visão da economia ausente na pauta do Brasil aos cacos, que predomina nas páginas de seu próprio jornal.

Que isso tenha acontecido na carimbada paisagem de neve e ternos pretos de Davos, onde se realiza o concílio das corporações capitalistas, diz algo sobre o belicismo da emissão conservadora em azedar as expectativas contra o Brasil e seu desenvolvimento.

Luiz Carlos Trabuco Cappio, presidente do Bradesco, não dirige uma instituição socialista. Segundo maior banco do país, o Bradesco acumulou até o 3º trimestre de 2013 um lucro da ordem de R$9 bilhões, em boa parte pastejando tarifas e juros no lombo de seus clientes.

Até aí, estamos na norma de um setor que ao primeiro alarme da crise mundial deixou o Brasil falando sozinho. Recolheu-se ao bunker dos títulos públicos (juro limpo, risco zero de inadimplência) e deixou o pau quebrar do lado de fora. Mais de 50% do financiamento da economia brasileira hoje é garantido pelos bancos estatais – 15 pontos acima do padrão de mercado pré-crise.

Não dispusesse de um sistema de bancos estatais, o país seria arrastado à crise pela vocação pró-cíclica da lógica financeira. O Bradesco tem 26 milhões de correntistas; está espalhado por todo o Brasil – sua rede de 8 mil agências talvez só perca para a do Banco do Brasil.

Um dos segmentos de maior expansão do banco no ano passado foi a carteira imobiliária: o financiamento de imóveis totalizou R$12,5 bilhões –crescimento de 33% no período, contra 11% do credito em geral.

Talvez essa capilaridade explique a dissonância.

O que disse Trabuco, em Genebra, destoa da água para o vinho dos clamores emitidos pela república rentista, aferrada a circularidade do lucro que não passa pela produção, nem pelo consumo.

No cassino, a regra de ouro é o descompromisso com a sorte do desenvolvimento e o destino da sociedade – não raro, o confronto, em modalidades conhecidas.

A saber: arbitragem de juros (leia O governo invisível não quer Dilma), especulação com papelaria e moedas (bolsas, volatilidade cambial) e imposição de Selic gorda no financiamento da dívida pública.

Até mesmo pelo maior entrelaçamento geográfico com o país real (se o Brasil der errado isso tem consequências), o dirigente do Bradesco se obriga a um outra visão da economia e do governo.

Excertos de sua entrevista a Assis Moreira soam como mensagens de um marciano em meio ao alarido do rentismo local:

[…] “O grande desafio que nós temos é fazer o capital produzir no Brasil. É fazer o investimento estrangeiro ou capital privado nacional funcionar para suprir os nossos fossos, principalmente de infraestrutura. O Brasil não é um país pobre, é um país desigual. Não é um país improdutivo. Nós temos problema de competitividade, mas o país é produtivo”.

[…] “ninguém quer ficar fora do Brasil. Porque a democracia brasileira, o Judiciário, as instituições, a harmonia social, independente dos problemas que possam existir, tem uma coesão. O Brasil tem um projeto de país”.

[…] “Houve uma época na economia brasileira em que tudo estava no curto prazo. Agora, teve um alongamento. E foi positivo, porque o governo soube aproveitar isso, que foi o alongamento da dívida interna. Hoje já temos estoques importante de títulos de 2045, de 2050”.

[…] “O relatório do FMI foi até positivo em alguns aspectos, porque olhou para a economia brasileira e viu um crescimento superior à média da projeção dos economistas brasileiros. Isso é o reconhecimento da capacidade do PIB potencial.

Com relação ao movimento de capitais, o FMI falou genericamente, sobre migração [de capital]. O pior dos mundos seria um cenário em que os Estados Unidos, Europa e Ásia mudassem o patamar dos juros, aí teríamos… Acho que a fuga de capital no Brasil não se aplica”.

Isso na quarta-feira, dia 22. Um dia antes, o mesmo jornal debruçava-se no colo do mercado financeiro para anunciar a rejeição do governo invisível do dinheiro à reeleição de Dilma.

A dificuldade em pensar o Brasil advém, muito, da inexistência de um espaço ecumênico de debate em que opiniões como a de um Trabuco, ou a de Luiza Trajano – a dona do Magazine Luiza, que desancou ao vivo um gabola desinformado do pelotão conservador – deixem de ser um acorde dissonante no jogral que diuturnamente aterroriza: de amanhã o Brasil não passa.

Os desafios ao passo seguinte do desenvolvimento brasileiro são reais.

De modo muito grosseiro, trata-se de modular um ciclo de ganhos de produtividade (daí a importância de resgatar seu principal núcleo irradiador, a indústria) que financie novos degraus de acesso à cidadania plena.

A força e o consentimento necessários para conduzir esse novo ciclo requisitam um salto de discernimento e organização social, indissociável de um amplo debate sobre metas, ganhos, prazos, sacrifícios e valores.

Não se trata apenas de sobreviver à convalescência do modelo neoliberal.

Trata-se de distinguir se a crise global é uma ruptura ou o desdobramento natural de um modelo cuja restauração é defendida por rentistas, jornalistas e rapazes assertivos, desprovidos do recheio competente.

Antes de classificar como excrescência o que se assiste na Europa – onde o ajuste neoliberal produziu 26,5 milhões de desempregados, implodiu pilares da civilização e acumula déficits paralisantes, que a recessão “saneadora” não permite deflacionar –, talvez fosse mais justo creditar à razia o bônus da coerência.

O que o schumpeterismo ortodoxo promove no antigo berço do Estado do Bem- Estar Social é radicalização do processo de “destruição criativa” que por três décadas esganou o rendimento do trabalho, sacrificou soberanias, instituições e direitos, simultaneamente a concessão de mimos tributários aos endinheirados.

Para clarear as coisas: não foi a crise que gerou o arrocho e a pobreza em desfile no planeta – mas sim o arrocho e a desigualdade neoliberal que conduziram ao desfecho explosivo, edulcorado agora por vulgarizadores que, no Brasil, advogam dobrar a aposta no veneno.

A ordem dos fatores altera a agenda futuro.

Se a crise não é apenas financeira, controlar as finanças desreguladas é só um pedaço do caminho.

O percurso inteiro inclui controlar a redistribuição do excedente econômico, ferozmente concentrado nas últimas décadas na base do morde e assopra – arrocho de um lado, crédito e endividamento suicida do outro.

O saldo está exposto no cemitério de ossos da crise mundial.

Genocídio do emprego, classe média em espiral descendente, mercados atrofiados, plantas industriais carcomidas, anemia do investimento e colapso dos serviços público e do investimento estatal.

Para quem acha que a coisa começou agora, o insuspeito Wall Street Journal acaba de publicar reportagem com números pedagógicos sobre o esmagamento da classe média no mundo rico, antes da crise.

“Dados compilados por Emmanuel Saez, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Thomas Piketty, da Escola de Economia de Paris”, diz o Wall Street corroboram o desmonte social em curso nos países ricos.

Em 2012, os 10% mais ricos da população norte-americana ficaram com metade de toda a renda gerada no país. Trata-se do percentual mais alto desde 1917. Mas o ovo regressivo vem sendo chocado bem antes disso.

Estatísticas coligidas por Branko Milanovic, ex-economista do Banco Mundial, adverte o Wall Street, mostram que, de 1988 a 2008, a renda real dos 50% mais pobres nos EUA cresceu apenas 23%. Enquanto isso, a renda do 1% dos norte-americanos no topo da pirâmide cresceu 113% no período – “um percentual que outros estudos consideram subestimado”, lembra o jornal conservador. As famílias dos 50% mais pobres na Alemanha e no Japão tiveram um desempenho ainda pior. A renda real dos 50% mais pobres no Japão caiu 2% em termos reais.

“As desigualdades nacionais em quase todos os lugares, exceto na América Latina, aumentaram”, diz Milanovic ao Wall Street.

Pela ansiedade dos nossos falcões e a animosidade de seus gabolas no debate das questões nacionais, tudo indica que eles não querem ficar para trás.

Ao ouvir notícias encorajadoras sobre o potencial do país desabafam enfadados: “Brasil? Poupe-me…”

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Luciano Martins Costa: A “barriga” de alto custo da Veja

13 de janeiro de 2013

Veja_Bradesco_Santander

Luciano Martins Costa, via Observatório da Imprensa

Operadores e autoridades do mercado brasileiro de ações ainda estavam lidando, na quinta-feira, dia 10, com um problema criado na véspera pela edição digital da revista Veja. No final da tarde de quarta-feira, o portal de notícias Veja.com noticiou que o Bradesco estaria adquirindo as operações do Banco Santander no Brasil.

Com base em um suposto comunicado enviado aos funcionários do Santander, anunciando que a fusão iria acontecer ainda neste semestre, Veja manteve a informação incorreta como manchete durante 22 minutos, até que os bancos a obrigaram a retirar o texto do ar e publicar um desmentido.

Na manhã de quinta-feira, dia 10, o site especializado Infomoney reproduziu o desmentido de Veja, observando que o equívoco havia provocado “uma euforia no mercado”, resultando numa forte valorização dos papéis do Santander no pregão tardio da Bovespa – o mercado after hours, período de negociação que ocorre após o fechamento do pregão regular.

A valorização das ações do Santander chegou perto do teto máximo de oscilação positiva para o período, provocando um movimento atípico para o after hours. Para se ter uma ideia do volume provocado pelo erro da publicação, o Infomoney lembra que os papéis do Santander, que costumam ter um volume diário de negociações em torno de R$300 mil, chegaram a movimentar R$32 milhões após a falsa notícia da fusão com o Bradesco.

Olhando de lado

Segundo fontes do mercado de ações, o erro de Veja.com potencializou boatos de que o Santander teria interesse em negociar suas operações no Brasil para salvar sua matriz europeia, gerando a euforia que elevou artificialmente o valor das ações.

O princípio de crise surgido na quinta-feira só não se alastrou porque a Bovespa, os bancos envolvidos e outros protagonistas entraram em campo para abafar o caso, mas não está descartada a possibilidade de uma investigação para apuração de responsabilidades.

Se o site da Veja afirmou que havia baseado a notícia em e-mails enviados pela direção do Santander aos funcionários, é de se esperar que a revista apresente esses documentos, mesmo que decida preservar suas supostas fontes.

Na manhã de sexta-feira, dia 11, a imprensa registra uma situação desigual no balanço do mercado de ações: dos três principais bancos brasileiros, os títulos do Itaú e do Bradesco fecharam em declínio na quinta-feira, enquanto os papéis do Santander se destacavam entre os mais valorizados, além de aparecerem entre os mais negociados na véspera, num contexto completamente atípico.

No entanto, os jornais não se interessaram pelo problema e o público foi informado por sites especializados, como blogs de analistas financeiros e o portal Comunique-se, que noticiou o desmentido de Veja.com, reproduzindo a informação original do site Infomoney.

Erro infantil

A direção de Veja tratou de amenizar os efeitos da “barrigada” por meio de uma nota oficial se desculpando com seus leitores, afirmando que a falsa notícia “trazia em seu próprio enunciado a chave de sua falsidade”, pois, segundo a publicação: “O texto dizia infantilmente que a negociação da fusão fora informada pela instituição [Santander, N. do A.] a funcionários. Como qualquer pessoa do meio financeiro sabe, uma operação desse tipo tem de ser, por lei, mantida em sigilo e comunicada antes de qualquer outra forma de divulgação à Comissão de Valores Mobiliários (CVM)”.

Foram apenas 22 minutos de exibição da informação falsa, de 17h59 a 18h21 de quarta-feira, dia 9, mas os danos podem ter sido grandes para quem comprou ações em alta e vai ficar esperando acontecer a fusão do Bradesco com o Santander para recuperar o investimento.

A estranha simbiose entre os meios tradicionais de comunicação, que faz com que todos eles tratem de dar grande repercussão a escândalos e denúncias sem checar as origens, desta vez funciona ao contrário. Um erro documentado, com desmentidos distribuídos em notas oficiais de dois dos maiores bancos do País, vai ficar por isso mesmo.

Azar dos leitores de Veja.com que, “infantilmente”, acreditaram que dois bancos com ações na Bolsa iriam comunicar oficialmente seu matrimônio por meio de e-mails para funcionários.

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Luis Nassif: O mercado de capitais e o jogo da notícia

13 de janeiro de 2013
A Folha se retratou em letras pequenas.

A Folha se retratou em letras pequenas.

Luis Nassif em seu Advivo

O mercado de capitais é aquele em que se aplicam as regras mais severas visando resguardar a isonomia das informações. Em países modernos, pune-se o uso de informações privilegiadas, a disseminação de informações falsas e todos os fatos que possam provocar manipulação de cotações.

No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é incumbida da fiscalização do mercado e das informações. É eficaz quanto à identificação e punição de vazamentos de informações privilegiadas e de manipulações do mercado em geral. Mas absolutamente omissa em episódios que envolvam a mídia.

Dias atrás, a Folha divulgou que o governo havia feito uma convocação extraordinária do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), devido ao risco iminente de racionamento de energia.

Era notícia falsa. Mas foi repercutida durante todo o dia, apesar dos desmentidos que constavam do site do Ministério das Minas e Energia e das informações prestadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

No mercado de energia, em que atuam apenas profissionais, não houve mudanças nas cotações. Na Bovespa, onde há maior heterogeneidade dos investidores, as cotações das elétricas oscilaram bastante. Ainda mais depois das perdas sofridas pela Eletrobras com as decisões do governo em relação à renovação das concessões.

As ações caíram e ontem [10/1], dois dias depois da escandalização, e voltaram a subir. Papéis da Cesp subiram 3,49%; da Eletropaulo, PN 2,53%; e da Eletrobras, PNB 2,27%. Nesses movimentos, muita gente ganhou muito dinheiro, à custa dos que perderam.

Ontem [10/1] foi a vez do portal da Veja divulgar uma notícia sem pé nem cabeça: a da suposta fusão entre o Bradesco e o Santander, que já teria sido comunicada aos funcionários.

A diferença do primeiro episódio é que, no caso da Veja, reconheceu-se o erro e providenciou-se a devida correção 20 minutos depois. O que não impediu oscilações de monta no mercado. É mais um capítulo complicado na perda de referencial pela mídia.

Permitiu-se que a politização passasse a interferir em todo o noticiário. Não existem mais filtros adequados. Em outros tempos, “barrigas” – informações falsas – eram punidas, ou pelo próprio jornal ou pelos concorrentes. Hoje em dia, desde que se atinja o objetivo político proposto, tudo é tolerado.

Em países mais modernos, existem modelos de autorregulação. E as instituições reguladoras de mercado mantem uma fiscalização severa sobre abusos de informações que possam acarretar distorções de preços de ativos.

Trata-se de um movimento terrível não apenas para o país como para a própria mídia. Na economia, a informação é essencial para alocação de recursos, decisões de investimento, planejamento estratégico.

Cabe ao jornalista o papel de intermediar os fatos, transformando-os em notícias. Por sua condição, o público supõe que tenha acesso a fontes inacessíveis para os mortais comuns, que trate as informações com discernimento, especialmente quando mexem com a poupança do público.

No entanto, por aqui varre-se tudo para baixo do tapete. O álibi político deu autorização para o jornalista matar, não apenas reputações mas os fatos. E tudo impunemente e às claras.

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