Ato em homenagem ao ditador reuniu pouco mais de mil pessoas entre apoiadores de Pinochet e neonazistas. Do lado de fora, cerca de 5 mil chilenos protestaram contra a homenagem e acabaram entrando em choque com a polícia. O governo de Sebastián Piñera, que deu aval à homenagem, dispôs uma ampla operação policial com barreiras, carabineros a cavalo, carros lança-água, motorizados e um efetivo de mil homens a pé.
Christian Palma, de Santiago, via Carta Maior
Os 1.200 apoiadores que chegaram no domingo passado à homenagem que a agrupação fascista 11 de Setembro (dia que bombardearam o palácio de La Moneda) rendeu ao ditador chileno Augusto Pinochet no Teatro Caupolicán, na região central de Santiago, se juntaram com alguns neonazistas, outros fanáticos do tirano e alguns de seus ministros mais próximos. Um grupo muito reduzido, pois a organização esperava pelo menos sete mil pessoas na atividade.
Uma realidade muito diferente foi vivida nas imediações do recinto, que fica a apenas algumas quadras do La Moneda. Mais de 5 mil pessoas de todas as idades chegaram às ruas próximas para reclamar contra uma homenagem em todas as luzes considerada desnecessária, dolorosa e estúpida.
O governo de direita de Sebastián Piñera, que deu aval à homenagem, dispôs uma ampla operação policial com barreiras, carabineros a cavalo, carros lança-água, motorizados e um efetivo de mil homens a pé equipados como para uma guerra visando evitar que agredissem os pinochetistas.
Mas as pessoas não se deixaram intimidar e às 12 horas aumentou o volume dos gritos contra aqueles que representaram uma ditadura que superou as 40 mil vítimas, que inclui 3.225 mortos ou desaparecidos e milhares de torturados e exilados.
Uma delas é Mia, uma mulher de mais de cinquenta anos, que gritava a todo pulmão contra os presentes à homenagem: “Fascistas, vão lustrar as botas dos milicos como quando o tirano vivia”. E razão tem para sua fúria. Ela contou a Carta Maior que no dia 11 de setembro de 1973 ela era dirigente estudantil. Foi tirada a golpes de seu colégio, detida, torturada e violada em diversos centros de detenção que a CNI, a polícia secreta de Pinochet, tinha em Santiago. Sua raiva também se volta contra os governos da Concertação, “que não fizeram nada para recuperar a democracia em plenitude”. Mas sem dúvida os dardos principais eram para o governo que autorizou a homenagem. “Na Alemanha isto está proibido, no Chile isto se permite porque todos os que apoiavam o Pinochet estão agora no La Moneda”, dizia indignada.
Os ânimos continuavam se acirrando por mais que, na véspera, o porta-voz do governo Andrés Chadwick, que foi um reconhecido pinochetista, pedisse perdão ao assegurar que sente um “profundo arrependimento por haver apoiado o regime de Pinochet, após considerar a violação brutal aos direitos humanos que se efetuou no governo militar”. Insistiu em que se deveriam evitar as homenagens, em relação aos atores do passado. “Isso gera divisões entre nós.”
Não se enganava o pinochetista arrependido. Nas redondezas do Caupolicán, enquanto os discursos retumbavam, os protestos nas ruas se transformaram em descontrole e em enfrentamentos contra os carabineros. Em poucos minutos os cânticos se converteram em pedradas. Os gases lacrimogêneos e carros com jatos d’água entraram em ação empurrando os presentes. Antes, uma representação teatral de uma mulher torturada em uma cama com eletricidade causou comoção.
“Pinochet, CNI assassinos do país”; “Olé olé, olé olá, como os nazistas vão ficar e onde forem iremos encontrar”; “Quem não pular é paco (policial)”, se escutava com força.
Molhada por um jato de água, Lorena Pizarro, presidenta da Agrupação de Detidos Desaparecidos, assegurava que “este é o ato onde o governo resolveu estar do lado dos genocidas e dos violadores de direitos humanos. As atuais autoridades resolveram estar do lado de que eles estão, com a direita golpista e genocida”.
Entretanto, no interior do Teatro Caupolicán, os fanáticos aplaudiam furiosamente o documentário “Pinochet” que foi exibido para homenagear o ditador. O neto do ditador, Augusto Pinochet Molina, o mesmo que defendeu a obra de seu avô perfeitamente uniformizado no dia em que enterraram o genocida, afirmou que “é um ato para honrar a história, já que a tergiversação evita que se reconheça o trabalho de muitos chilenos – e não só o de meu avô – para levantar o país”.
Outros que estiveram presentes foram Miguel Méndez Piñar, neto de Blas Piñar, ministro do ditador espanhol Francisco Franco, e Joseph Torres, presidente da juventude cubana no exílio, e o advogado Javier Alonso, que iniciou o processo para exonerar Baltasar Garzón da Justiça espanhola. “Franco e Pinochet são duas almas gêmeas”, falou Menéndez Pinar, e disse à efervescida plateia que “tem que estar atento para voltar às trincheiras se for necessário, frente ao marxismo”, segundo relataram alguns presentes. “Estamos felizes porque estivemos 20 anos calados, escutando-os tergiversar a história. O pinochetismo está na mente e no coração deste povo”, agregou o ex-militar e organizador da homenagem, Juan González.
O ato, de quase duas horas, terminou após às 13h, quando os pinochetistas cantaram o hino nacional incluindo uma parte que já não se canta e que faz alusão aos “valentes soldados” e pedindo a liberdade dos militares condenados por violações aos direitos humanos. No lado de fora, os ânimos não se acalmavam e os apoiadores do ditador tiveram que ser retirados em ônibus de carabineros.
As barricadas nas ruas próximas ao Caupolicán, as pedradas e gases tóxicos continuaram por horas; o grande saldo de feridos e detidos deixou claro que a imagem de Pinochet continua dividindo os chilenos entre uma minoria que o celebra e uma maioria que o detesta. Além de seu neto, nenhum outro familiar de Pinochet apontou o nariz pelo centro de Santiago.
Tradução: Libório Júnior
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