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Arouca, Tinga e o duplo racismo de que são vítimas as mulheres negras

12 de março de 2014
Racismo_Tinga_Arouca_JB

Tinga, Arouca e JB com suas respectivas.

Paulo Nogueira, via DCM

Dias atrás, publicamos no DCM um artigo do site Blogueiras Negras. Nele, a autora citava um tipo de racismo pouco falado: aquele de homens negros que ascendem em relação às negras. Como notou a blogueira, é como se as negras desaparecessem, se tornassem invisíveis aos homens negros que ganham notoriedade e dinheiro.

O Brasil jamais teve um Malcolm X, o ativista norte-americano que dedicou sua vida a convencer as mulheres negras de que seus cabelos são lindos do jeito que são, e seus lábios, e seu nariz, e sua pele de azeviche.

Elas queriam ser brancas, e se sentiam inferiorizadas por não ser. Malcolm X inventou o Orgulho Negro, e seu maior seguidor foi Muhammad Ali com seu grito épico: “Sou lindo.”

Numa fase ignorante de sua vida, Malcolm alisava os cabelos e procurava brancas. Depois, nunca mais mexeu no cabelo natural, e nem desfilou com loiras como se fossem troféus.

Acordara para a necessidade vital de valorizar pessoas que se sentiam, como Michael Jackson, menores por não serem brancas.

Tudo isso me veio à cabeça quando li sobre os lastimáveis casos de racismo contra dois bons jogadores negros, Tinga e Arouca.

Antes de seguir adiante, fique claro: é um horror, um descalabro, e torcedor que xinga jogador de macaco deveria sair do estádio para a prisão, automaticamente.

Isto posto, o que os jogadores negros fazem para promover sua raça? Não peço que sejam Malcolm X, mas que eles fazem em escala mais simples e mais modesta?

A triste resposta é: nada.

Ao contrário, eles indiretamente reforçam o racismo ao, ricos, imitar imediatamente o comportamento branco na aquisição de uma mulher branca.

É uma mensagem desoladora para as negras, como notou a blogueira cujo texto publicamos.

A esse lugar comum dos futebolistas brasileiros, oponho Mario Balotelli, o atacante italiano que em sua riqueza e fama mundiais optou por uma namorada negra. Balotelli está, assim, emitindo uma mensagem: as mulheres de nossa raça são lindas.

Clap, clap, clap. De pé.

A isso se chama consciência social e racial. Torço para que Balotelli não enverede, depois, pelo mesmo caminho racista de tantos jogadores negros.

O Brasil é um país racista. E as mulheres negras são vítimas de racismo duplamente em suas relações amorosas: os brancos as querem para sexo e pouco mais. E os negros, quando viram famosos – outro exemplo notório é Joaquim Barbosa –, passam a ignorá-las.

Que os lastimáveis episódios de Arouca e Tinga joguem luzes sobre a discriminação ampla, geral e irrestrita de que são vítimas elas – as mulheres negras, tão lindas, tão altivas, tão resistentes e tão amplamente, tão cruelmente discriminadas.

Vídeo: “Eu não vou viajar ao lado de um negro!”

20 de janeiro de 2014

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O comercial anti-racismo mais impactante que você já viu

Via Fato Curioso

Esse é um vídeo português que vem causando grande impacto pelo mundo! Feito há 14 anos em comemoração ao 50º aniversário da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas. Na cena você vê uma mulher branca que senta ao lado de um homem negro. A mulher se incomoda e chama a aeromoça para que a troque de lugar e não tenha que ficar ao lado de um “negro”. O rapaz, aflito, ouve toda a conversa. A aeromoça volta com notícias boas e deixa a mulher feliz dizendo que há um lugar na primeira classe da aeronave. E algo surpreendente acontece!

Confira.

O racismo em números

5 de janeiro de 2014
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Eis a população mais vulnerável. Foto de Vladimir Platonow/ABr.

A esmagadora maioria dos beneficiários do Brasil Sem Miséria é de negros, comprova levantamento do governo federal.

Miguel Martins, via CartaCapital

Quando publicou Casa-Grande & Senzala em 1933, Gilberto Freyre não tinha a seu dispor um grande volume de dados sociológicos sobre a população brasileira. O IBGE foi criado um ano depois e o Ipea apenas na década de 1960. Se tivesse acesso a pesquisas que comprovassem a relação intrínseca entre pobreza e cor de pele no Brasil, hoje abundantes, talvez sua teoria da democracia racial brasileira fosse um pouco diferente. Ao ser confrontado com as estatísticas, o racismo brasileiro, sustentado em três séculos de escravidão, desvela-se como uma verdade factual.

A conexão entre a miséria e a origem racial é tão definitiva no País que programas de transferência de renda destinados a eliminar a extrema pobreza só poderiam fazê-lo ao beneficiar os negros, mesmo sem adotarem políticas afirmativas de raça. Na quinta-feira 19, a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, divulgou um trabalho de decomposição dos beneficiários do Brasil Sem Miséria, que inclui o Bolsa Família, o Brasil Carinhoso e o Pronatec, entre outros. Cerca de três quartos dos beneficiados, mostra o levantamento, são negros.

No início do Brasil Sem Miséria, em 2011, criado para alcançar a parcela da população apta a receber benefícios mas ainda não registrada no Cadastro Único, o ministério almejava incluir cerca de 16 milhões de brasileiros em situação de extrema pobreza. Segundo o IBGE, 71% eram pretos ou pardos à época. Natural, portanto, a pesquisa de 2013 revelar que os maiores beneficiados pelas políticas de transferência de renda têm a pele escura. De acordo com os dados divulgados por Tereza Campello, 73% dos cadastrados no Bolsa Família são pretos ou pardos autodeclarados. Em relação a outros benefícios, a proporção é ainda maior.

Segundo a ministra, os dados são consequência da desigualdade racial no Brasil. “Embora não exerçamos uma política afirmativa de convocar os negros, eles acabam mais favorecidos por serem os mais vulneráveis”, comenta. “Estamos em uma luta aberta contra a discriminação dos pobres. Assim como alguns chamavam os escravos no Brasil de preguiçosos, muitos falam o mesmo de quem recebe benefícios do governo. Ao lutar contra o preconceito em relação aos pobres, construímos uma trajetória de cidadania para a população mais necessitada, de maioria negra.”

Embora o Bolsa Família não se paute por uma política de afirmação racial, há outros fatores que estimulam um número maior de negros atendidos. O estudo Vozes da Nova Classe Média, realizado pelo Ipea neste ano, indicou que, ao declarar-se preto, as chances de um candidato obter o benefício aumentam em 10%. Segundo a ministra, trata-se quase de um “preconceito invertido”. “Quando alguém vai fazer seu cadastro no Bolsa Família, a rede de assistência social tenta aferir o máximo possível de informações sobre a renda de um candidato. Se uma pessoa toda produzida, loira e de olho azul for pedir o benefício, a chance de levantar suspeição é maior. É mais crível quando um negro pede o benefício, pois quem analisa realmente acredita no grau de vulnerabilidade.”

Um dado bastante comemorado pelo ministério é a parcela de 65% de negros entre os matriculados no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego. O fim da exigência de nível médio para alguns cursos profissionalizantes, ressalta a ministra, e uma melhora na divulgação foram responsáveis pelo alto número de negros contemplados. “Boa parte das vagas era ofertada no Sebrae, Senai e Sesc, que chegavam mais no trabalhador formal. Agora oferecemos os cursos do Pronatec nos centros de referência de assistência social, localizados em geral em bairros e vilas populares.”

Quanto mais específico é o programa social, maior o número de negros beneficiados. Em relação ao Brasil Carinhoso, que atende famílias com filhos de até 15 anos de idade, a proporção de pretos ou pardos chega a 77%. O número pode ser explicado pela taxa de fecundidade. Segundo um estudo do Ipea de 2011, enquanto entre os negros a média de filhos por mulher é de 2,1, na população branca é de 1,6.

Nos programas direcionados à população rural, a proporção de negros atendidos é ainda mais alta, consequência de sua maior concentração no campo. Nas cidades, 48% da população é negra, e no meio rural, 61%. Os programas Água para Todos e o Fomento às Atividades Produtivas têm entre seus beneficiados quase 80% de negros. No caso do Bolsa Verde, que complementa a renda de quem adota práticas sustentáveis, chega a 92%.

A iniciativa de estender o Bolsa Família às comunidades quilombolas é o que mais se aproxima de uma política afirmativa no Brasil Sem Miséria. Segundo o ministério, há 2.197 comunidades quilombolas reconhecidas, com uma população estimada de 1,17 milhão de indivíduos.

Símbolo da resistência contra as senzalas, os quilombos perderam sua condição original de esconderijos de escravos fugidos do cativeiro. Mas a miséria e o alto nível de desnutrição infantil expõem os efeitos duradouros da escravidão. Por causa da distância e do isolamento, o governo tem desenvolvido formas alternativas de atuação. “Nas versões antigas do Cadastro Único, não eram feitas perguntas sobre públicos diferenciados. Agora conseguimos beneficiar ciganos e quilombolas mesmo sem endereço fixo”, diz Tereza Campello. Hoje são 261,5 mil quilombolas autodeclarados inscritos no Bolsa Família.

Coxinhas de branco: A vergonha da nação

29 de agosto de 2013

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Marcus Pessoa, recebido por e-mail

Comparem essas duas fotos. A primeira foi tirada em Little Rock, Estados Unidos, 1957, e mostra a estudante Elizabeth Eckford chegando para seu primeiro dia de aula numa escola sem separação racial. Precisou de reforço policial para conseguir entrar.

A segunda foto foi tirada em Fortaleza, na segunda-feira, dia 26/8, quando médicos brasileiros brancos e bem-nascidos fizeram um corredor polonês para vaiar seus colegas cubanos, muitos deles negros, que vieram ao País contratados para atuar em cidades pequenas do interior para os quais os brasileiros não querem ir.

Eu acho que as imagens falam por si.

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Filho de Joaquim Barbosa quis bolsa para negros no Itamaraty, mas faltou à prova

30 de julho de 2013
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Felipe

Fernando Brito, via Tijolaço

O Itamaraty reagiu no domingo, dia 28, em nota, às acusações de racismo feitas por Joaquim Barbosa contra a instituição, em entrevista ao jornal O Globo.

Apesar de não comentar diretamente o suposto caso de discriminação a que o ministro se referiu, obliquamente, o órgão divulgou nota recordando que “mantém [há dez anos] programa de ação afirmativa a Bolsa Prêmio Vocação para a Diplomacia, instituída com a finalidade de proporcionar maior igualdade de oportunidades de acesso à carreira de diplomata” e que reserva 10% das vagas para afrodescendentes na primeira fase de seu concurso de admissão.

De fato, o edital do programa oferece bolsa de estudos para “incentivar e apoiar o ingresso de afrodescendentes (negros) na carreira de diplomata, mediante a concessão de bolsas-prêmio destinadas ao custeio de estudos preparatórios ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata”. São R$25 mil para custear cursinho e material didático, durante dez meses.

Não há notícia de cotas raciais no concurso feito para admissão como servidor no STF.

O doutor Joaquim poderia, ao menos, ter feito esta referência elogiosa ao gesto do Itamaraty, em lugar simplesmente de afirmar apenas que “o Itamaraty é uma das instituições mais discriminatórias do Brasil”.

Até porque o doutor Joaquim conhece muito bem este programa, porque seu filho Felipe Tavares Barbosa Gomes participou das provas de seleção para ele, salvo a remota hipótese de tratar-se de um homônimo.

Felipe só não ganhou a bolsa por ter, apesar de ter se classificado para a seleção final, ficado com zero na entrevista técnica que é a ultima prova, provavelmente por não ter comparecido. Foi o único, aliás, a ficar nessa condição.

Era direito dele não querer se submeter a essa seleção e dispensar, com isso, a bolsa de estudos a que se candidatou. Mas seria um dever básico de justiça, ao menos, seu pai reconhecer que – havendo, como deve haver, ou não discriminação no corpo diplomático – a direção do Itamaraty tem trabalhado para que a instituição reflita a composição do povo brasileiro.

O doutor Barbosa, porém, não parece possuidor deste senso de equilíbrio. Ou por não acreditar no ditado popular de que o peixe morre pela boca.

PS.: O Tijolaço já tinha, há tempos, esta informação. Elas estão publicadas em editais. Não a veiculou porque não era relevante com caso que enfrenta o doutor Joaquim, porque não está interessado em devassar a vida familiar de ninguém. Nem em desclassificar o que é conseguido por mérito, como Felipe o fez. Mas a revela, agora, porque a hipocrisia é uma abominação em qualquer um, e mais ainda naqueles que, personificando a mais alta instituição judicial, devem ter o equilíbrio que a balança da Justiça simboliza.

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Paulo Moreira Leite: Joaquim, Pedro 1º e o racismo

30 de julho de 2013

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Um eventual candidato Joaquim Barbosa corre o risco de se tornar vítima do racismo à brasileira?

Paulo Moreira Leite em seu blog

Na entrevista a Miriam Leitão publicada no domingo, dia 28, em O Globo, Joaquim Barbosa usou a questão racial para definir seu futuro político. Tanto para falar de uma eventual candidatura presidencial, como para explicar reportagens recentes a seu respeito, o presidente do STF colocou o tema no centro das explicações e argumentos.

Não é a primeira vez que Joaquim age dessa forma. Num de seus primeiros conflitos com jornalistas, assim que se tornou presidente do STF, ele reagiu com truculência quando um repórter – negro – perguntou se ele estaria mais tranquilo depois de ter sido confirmado no mais alto posto da mais alta corte de Justiça do País.

Referindo-se ao repórter como “brother”, o ministro o acusou de estar usando estereótipos racistas ao fazer a pergunta. Referindo-se a outra jornalista que faz reportagens sobre o STF, definiu-a como branquela.

Em sua entrevista, Miriam Leitão perguntou: “O Brasil está preparado para um presidente da República negro?”

“Não”, disse Joaquim. E prosseguiu: “Porque acho que ainda há bolsões de intolerância muito fortes e não declarados no Brasil. No momento em que um candidato negro se apresente, esses bolsões se insurgirão de maneira violenta contra esse candidato.”

Referindo-se a reportagens recentes sobre seu filho – e também sobre seu apartamento em Miami –, o presidente do Supremo afirmou: “Já há sinais disso na mídia. As investidas da Folha de S.Paulo contra mim já são um sinal. A Folha de S.Paulo expôs meu filho, numa entrevista de emprego. No domingo passado, houve uma violação brutal de minha privacidade. O jornal se achou no direito de expor a compra de um imóvel modesto nos Estados Unidos. Tirei dinheiro de minha conta bancária, enviei o dinheiro por meios legais, previstos na legislação, declarei a compra no Imposto de Renda. Não vejo a mesma exposição da vida privada de pessoas altamente suspeitas da prática de crime.”

Reforçando a ideia de que sofre uma forma de perseguição, Joaquim Barbosa analisou:

“Há milhares de pessoas públicas no Brasil. No entanto, os jornais não saem por aí expondo a vida privada dessas pessoas públicas. Pegue os últimos dez presidentes do Supremo Tribunal Federal e compare.”

Em outro parágrafo, o presidente do STF criticou a atuação dos jornais, com um raciocínio que, pronunciado por personalidades ligadas ao governo, dificilmente deixaria de ser apontado aflitivamente como ameaça à liberdade de imprensa:

“É um erro achar que um jornal pode tudo. Os jornais e jornalistas têm limites. São esses limites que vêm sendo ultrapassados por força desse temor de que eu eventualmente me torne candidato.”

Joaquim também ameaçou:

“Nos últimos meses, venho sendo objeto de ataques também por parte de uma mídia subterrânea, inclusive blogs anônimos. Só faço um alerta: a Constituição brasileira proíbe o anonimato, eu teria meios de, no momento devido, por meio do Judiciário, identificar quem são essas pessoas e quem as financia. Eu me permito o direito de aguardar o momento oportuno para desmascarar esses bandidos.”

Há muito a falar sobre essa entrevista.

Eu acho que, do ponto de vista dos valores democráticos, a ideia – “O Brasil está preparado para Joaquim?” – contém um viés estranho. É como se Joaquim Barbosa, até hoje um eventual candidato a presidente, numa lista com pelo menos quatro nomes fortes entre os oposicionistas, não fosse um concorrente igual a todos os outros, mas a encarnação de um destino necessário para o bem de um país que, no entanto, estaria relutando em reconhecer suas prerrogativas.

Numa democracia, não é um país que pode ou não estar preparado para um presidente. Antes, é um candidato a presidente que deve se mostrar preparado para governá-lo. Isso implica, como primeiro passo, ter preparo para vencer eleições, o que só é possível pelo debate político. Sem esse debate, não estamos falando de eleição, mas de coroação.

Há quase dois séculos, em 1823, Pedro 1º chegou a dizer que só iria defender a Constituição “se ela fosse digna do Brasil e digna de mim”. Lula, o mais popular político brasileiro da história, já foi envolvido em visão semelhante. Durante três campanhas presidenciais (1989, 1994 e 1998), vários dirigentes do PT adoravam dizer que Luiz Inácio Lula da Silva não conseguia eleger-se porque havia preconceito contra um trabalhador de fábrica, sem diploma universitário nem grande educação formal.

Como é natural em sociedades capitalistas, a questão de classe pode ser omitida, disfarçada, distorcida, mas é sempre fundamental. Lula enfrentava – e enfrenta até hoje, apesar de tudo – um preconceito pesado em função de sua origem.

Era o eleitor que não estava preparado? Ou era o candidato?

A pergunta deixou de fazer sentido quando Lula deixou de se apresentar como predestinado – “trabalhador vota em trabalhador”, dizia na primeira campanha – e conseguiu oferecer uma proposta política abrangente, coerente com sua biografia e suas relações com os trabalhadores, capaz de falar aos interesses do conjunto da sociedade, em especial dos brasileiros mais humildes. Foi assim que se tornou um candidato imbatível, com três vitórias presidenciais consecutivas no currículo.

A pergunta de fundo é outra. Um eventual candidato Joaquim corre o risco de se tornar vítima do racismo à brasileira?

Minha resposta é depende. No mundo da cultura moderna, o preconceito é uma sobrevivência real, mesmo em declínio. Perde funcionalidade, embora ajude a manter hierarquias e privilégios.

Em função disso pode ser reconstruído, enfraquecido, fortalecido ou combatido ao sabor das circunstâncias e conveniências de cada momento, a partir de opções culturais, políticas e históricas aquele universo que se chama indústria cultural, onde os jornais, revistas e tevê ocupam um lugar central.

Até novelas podem servir para debater questões dessa natureza, nós sabemos. Atitudes preconceituosas podem ser estimuladas com maior ou menor sutileza, em determinado momento e tratadas de forma crítica, como estigma, em outro.

A lendária “falta de preparo” de Lula para governar o País foi uma observação permanente de seus adversários – e da maioria dos meios de comunicação – antes e depois da vitória de 2002. A tese cumpria a função política de criar uma rejeição acima de qualquer análise racional. Nem sei se todos observadores acreditavam naquilo que diziam e escreviam. Suas palavras expressavam a visão política de quem considerava que as ideias que Lula trazia na bagagem não eram convenientes a seus interesses.

A partir deste critério é preciso reconhecer, para além de todos os méritos e talentos individuais, que Joaquim Barbosa só tornou-se uma personalidade popular, a ponto de ser reconhecido em pesquisas eleitorais, porque foi endeusado pelos meios de comunicação durante o julgamento do “mensalão”. Não quero julgar cada uma de suas sentenças ou acusações. Mas fatos são fatos.

Chega a ser preocupante saber que Joaquim não está satisfeito com o tratamento que recebe dos meios de comunicação. Fica até difícil imaginar até onde vai seu palmômetro.

Em 40 anos de jornalismo, nunca vi aplauso igual desde que Joaquim aceitou a denúncia contra os réus do “mensalão”. Em 2012, durante o julgamento, foram quatro meses consecutivos de aplausos, elogios, imagens dramáticas e reportagens favoráveis. Revistas competiam para ver quem fazia a comparação mais favorável e produzia o editorial mais elogioso. Jornalistas tarimbados e jornais de prestígio renunciaram a qualquer espírito crítico para fazer uma cobertura unilateral e tendenciosa, contra os réus e contra os argumentos da defesa.

Ainda agora, quando os acórdãos trouxeram supressões e alterações que chamam a atenção de todo leitor mais atento, não vejo quem ouse discutir – com seriedade – os argumentos que questionam a consistência de várias decisões.

Em agosto, quando o julgamento deve ser retomado, os meios de comunicação irão cobrar de Joaquim aquilo que ele já deixou claro que pretende oferecer: penas duríssimas, condenações longas, prisões, muitas prisões, e mais prisões, e revisões magras – se houverem.

Não vejo divergências nem discordâncias. O jogo está definido.

Com ênfase e convicção, espera-se que Joaquim faça aquilo que lhe pedem e será bem tratado. O jogo é político. Interessa, a partir de agosto, reconstruir o ambiente de espetáculo do segundo semestre de 2012, preparando a sucessão presidencial, em 2014.

Com a clareza que mestres de sua estatura podem exibir, o professor Umberto Eco, que aprendi a ler na rebeldia de minha pós-adolescência, e tive a honra de contratar para ser colunista da Época quando era diretor de redação, acaba de publicar um artigo onde diz que “nos dias de hoje, um país pertence a quem controla os meios de comunicação”. (O título do artigo, curiosamente, é “Por uma guerrilha da semiótica”).

Se houver interesse numa candidatura presidencial de Joaquim Barbosa, decisão que envolve diversas considerações de ordem política, o presidente do STF será autorizado a mobilizar o eleitorado negro para tentar dar votos à oposição. Basta conversar com esses cidadãos para encontrar, em todos eles, uma admiração real pela posição que Joaquim Barbosa ocupa. A carta racial terá, neste caso, grande utilidade eleitoral, não tenham dúvida. Joaquim poderá falar a uma parcela imensa de brasileiros que recebe um tratamento discriminatório desde a abolição da escravatura.

Será um debate riquíssimo, quando se recorda que, em nome de sua herança, Dilma Rousseff terá inúmeras realizações a apresentar, inclusive um programa de cotas que possíveis aliados de Joaquim combateram de todas as formas, inclusive com recursos ao Supremo e intelectuais recrutados especialmente para o mesmo fim.

Inventora da falsa doutrina da “democracia racial”, a cúpula da sociedade brasileira saberá esconder o próprio racismo se isso for conveniente para seus interesses.

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